Arquivo da tag: via de parto

Nem mais nem menos mãe

Outro dia entrei na página de Facebook de uma maternidade de São Paulo para comentar a questão dos altos índices de cesárea nos hospitais privados (nessa, o índice está em 93%). A maternidade estava se promovendo como uma das melhores no país e as ativistas do parto normal estavam incomodadas com esse paradoxo (para não dizer palhaçada). Afinal, a Organização Mundial de Saúde reconhece que mais de 15% de cesáreas não melhoram os índices de mortalidade infantil e só pioram os índices de mortalidade materna (um estudo no prestigioso The Lancet corrobora essa recomendação) – ou seja, uma taxa acima de 15% de cesáreas estaria colocando mais mulheres e mais bebês em risco. Acontece que o debate que começou com uma pergunta de utilidade pública – como a instituição poderia se empenhar para aumentar seus índices de parto normal (se é que isso é de interesse deles, o que é, infelizmente, pouco provável) – acabou caindo no pessoal.

Um dos primeiros comentários foi algo nessa linha: “mulheres que têm parto normal não são mais mães do que as que optam pela cesárea”. Não é a primeira vez que escuto esse mi-mi-mi discurso. Parece que não se pode levantar o assunto “como promover o parto normal” sem ofender alguém. E sempre (sem exceção) essa reação surge do nada, pegando todo mundo desprevenido.

Confesso que isso me tira do sério. Afinal, ninguém diz que se acha “mais mãe” que a irmã/amiga/prima/colega só porque ela pariu e a outra teve cesárea. Ninguém. Eu nunca ouvi nenhuma defensora do parto normal lançar mão de um argumento esdrúxulo como esse. Nós, as apaixonadas por parto, lutamos em prol das mulheres que querem parto normal (que representam 75% da nossa população, segundo esse estudo da Fiocruz), reivindicando mais transparências dos hospitais, mais ética dos médicos e mais acesso a informações baseadas em evidências para a população de maneira geral. A meta é melhorar as chances do parto normal para quem o deseja, e não diminuir quem pensa diferente.

Então, a pergunta que não quer calar é: por que essa reação aparentemente tão descabida?

Tenho duas possíveis explicações: uma do meu “diabinho” interior e outra do “anjinho”. O diabinho diria que essa reação tão forte e instantânea só poderia ser um efeito de ter tocado numa ferida psíquica muito grande. Ou seja, a própria mulher inconscientemente se sente “menas” frente à realização e ao poder daquela que pariu e, daí, surge a raiva e o impulso de se defender de seu inconsciente, afirmando o contrário do que ela realmente está sentindo. Nesse caso, a mera menção de uma mulher parindo é um gatilho que desencadeia seu complexo de inferioridade e revela toda a fragilidade de suas convicções.

O anjinho tem mais compaixão e pensa que, talvez, a dita cuja só esteja tendo uma reação natural à agressividade e à arrogância das ativistas e defensoras do parto normal que, talvez por terem a ciência (e a natureza) do seu lado, se acham donas da verdade. Ou seja, a pobre mulher se sente injustamente julgada, por um tom de voz ou um olhar de desdém da interlocutora, pelo simples fato de ter ousado escolher um outro caminho – que talvez não seja o “melhor” segundo as evidências, o Ministério da Saúde e a OMS, mas que ela julgou ser a “melhor” para ela. Nada mais do que seu direito.

É provável que nem o diabinho nem o anjinho estejam errados. Mas qual seria a solução?

“Cesariadas”: por favor, não levem para o pessoal a discussão sobre parto normal. Não estamos protestando suas escolhas pessoais e sim a falta de informação e opção real para as mulheres que querem passar pela experiência do parto. Isso é – ou deveria ser – um direito universal de todas as gestantes, mas que, nesse país e nessa cultura tecnocrática, regida por interesses econômicos e ideológicos, se tornou tão raro. Recomendo fortemente esse texto aqui, da incomparável Ana Cris Duarte.

Ativistas do parto: Cuidado com o tom de voz e os preconceitos na hora de abordar esse assunto, sobretudo na presença de mulheres que podem não compartilhar dos mesmos valores. Afinal, se você acredita no protagonismo da mulher, é preciso aceitar que esse protagonismo pode levar a uma escolha que você julga equivocada. Da mesma forma que você não gosta de ser chamada de “louca” ou “xiita”, a mulher que agendou seu “parto cesáreo” para uma data bonitinha não gosta de ver no seu olhar o rótulo de “pobre iludida” ou “desnaturada”. Encare como uma oportunidade para exercer os “músculos da compaixão” – ou, para usar o linguajar da tribo, a (sempre útil) “cara de alface”.

Talvez, com essas regrinhas básicas, seja possível atingir uma comunicação melhor e perceber que estamos todas buscando a mesma coisa: respeito.

Publicidade

13 Comentários

Arquivado em Uncategorized

Cesariana: uma escolha consciente?

cicatriz cesariana

Tem mulher que quer parto normal. Outras escolhem a cesariana antes mesmo de engravidar. Eu defendo o direito de todas elas a optar pela via de parto desejada – afinal, o corpo é delas e não meu. Mas sempre que uma amiga ou colega de trabalho me fala que quer fazer cesárea, eu penso: será que essa mulher sabe mesmo o que é isso? Tenho plena consciência de que, para uma grande parcela da população brasileira, submeter-se a uma cirurgia abdominal para ter um bebê, muitas vezes fora de trabalho de parto, é perfeitamente “normal”. As cirurgias de maneira geral (e a cesariana em particular) se tornaram tão banais que hoje em dia são que nem tatuagem: difícil é conhecer alguém que não tenha feito uma. No entanto, apesar de grandes avanços na medicina e na farmacologia, as evidências são categóricas: a via abdominal está longe de ser a via mais segura para o parto. A cesárea é pior para a mãe – aumentando suas chances de infecção, hemorragia, trombose, complicações pós-parto e em gravidezes futuras e depressão pós-parto e diminuindo os índices de sucesso com a amamentação – e para o bebê, estando relacionada a dificuldades respiratórias, alergias, obesidade e prematuridade (esta última quando feita fora de trabalho de parto, o mais comum hoje em dia na era dos partos com data e hora marcadas). Isso não é novidade; as gestantes costumam ser informadas desses riscos, mesmo que sejam muito minimizados pelos médicos e até mesmo pela mídia. Então, por que tantas optam pela cesárea, sabendo dos riscos? [Olha, quero deixar claro que não estou falando sobre mulheres que acabaram fazendo cesáreas por necessidade – ou até mesmo as famosas “desnecesáreas” (assunto para um outro post)- e sim daquelas que afirmam preferir a via cirúrgica] Essa resposta merece uma tese de doutorado e não sou em quem vai escrevê-la (ainda, hehe). Mas eu chuto que uma das razões, mesmo que não seja a principal, é a ignorância. E digo isso com o maior carinho: ignorância não por falta de inteligência, mas por não saber como será o procedimento em si e, principalmente, por desconhecer as alternativas, como o parto vaginal com anestesia ou o parto natural humanizado. Este post, então, é sobre o procedimento. Porque não importa o que vão te dizer – “ah, o importante é que o bebê esteja bem” ou “hoje em dia ninguém mais faz parto normal” ou até “se fosse ruim não teria tanta médica escolhendo trazer seu filho ao mundo dessa forma” – o fato é: sua barriga não tem zíper! Para tirar o bebê “por cima”, você vai ter que passar por uma cirurgia abdominal de grande porte. Outro dia escrevo sobre as alternativas, o medo da dor, as cesáreas induzidas pelo médico e todo o resto. Hoje é só o básico: o que é, exatamente, uma cesariana e o que uma mulher pode esperar em termos de experiência? A cesárea requer um jejum de oito horas, com ingestão de líquidos proibida entre 6 e 3 horas antes. No caso de uma cesariana eletiva, você será internada geralmente 2-3 horas antes da hora marcada. Antes da cirurgia em si, é provável que, depois de ter seus pelos pubianos raspados, você receberá alguns medicamentos via oral, além de um soro na veia e uma sonda na uretra (para que você não faça xixi). Vestida com aquela camisolinha ridícula e só, você será transportada na maca até o centro cirúrgico, cujo ar condicionado estará a +/- 19 graus. A sala estará cheia de gente – seu GO, um assistente, o anestesista, o pediatra e uma enfermeira e uma instrumentadora, no mínimo – sendo que poucos rostos serão familiares. O anestesista injetará uma mistura de anestésicos na sua coluna cujo efeito é imediato – mais ou menos do peito para baixo, você perderá sensibilidade. É provável que seu acompanhante só entrará no centro cirúrgico depois de tudo isso. Ao deitar na mesa de cirurgia, é bem possível que seus braços sejam amarrados, em forma de cruz, para evitar que você se mexa. Confirmado que a anestesia funcionou, com seu acompanhante a seu lado, o campo cirúrgico é montado. Ou seja, você será coberta com panos azuis/verdes e a equipe erguerá um lençol logo abaixo do seu peito, para isolar o seu rosto do resto do seu corpo. O propósito é evitar contaminação, mas também tem uma função psicológica – para que nem você nem o seu parceiro vejam as cenas a seguir. Como isso é rotineiro para todos na equipe, é possível que esses dez minutos (aproximadamente) transcorram sem a menor cerimônia, ao som de conversas fiadas entre os membros da equipe sobre futebol, novela ou o que quer que seja. Entre o lado de fora e o seu filho, o cirurgião obstetra terá que passar por sete camadas de tecido – entre elas a sua pele, a camada de gordura, o músculo abdominal, os tecidos que protegem o músculo e os órgãos internos e, por fim, a parede do útero. Uns serão cortados e cauterizados imediatamente, outros (como o abdômen) serão separados manualmente com bastante força, para chegar até o útero. Depois de cortar o útero, o médico romperá a bolsa e tirará o bebê. Isso pode ser rápido ou complicado, dependendo da posição do neném. Você sentirá a pressão das mãos dos médicos mexendo dentro e fora do seu corpo, mas não sentirá dor. Todos vibrarão com a chegada do bebê- comentando sobre o filho que você ainda não viu. Se ele chorar imediatamente – o que não é garantido, mas nem por isso é motivo de espanto – você terá a sorte de pelo menos ouvir a sua chegada. Digo sorte porque, numa cesárea padrão, você não sentirá nem verá os primeiros segundos de vida de seu filho. Após entregar o bebê ao pediatra neonatal, a equipe continuará trabalhando em você para remover a placenta, conter o sangramento – podendo retirar o excesso com gaze ou com um aparelho de sucção – e depois costurar o que foi cortado. Nessa hora, é provável você sentir uma ansiedade enorme: seu filho nasceu, mas você não pode segurá-lo e nem vê-lo (já que ele está sendo aspirado, pesado, limpado). Nem seu marido estará com você, porque provavelmente terá ido acompanhar o filho, junto com a enfermeira e o pediatra. A enfermeira levará seu bebê embrulhadinho até você, para que você olhe para o rostinho dele e sinta seu cheirinho delicioso. Mas esse momento gostoso dura pouco, porque nessa hora, o bebê é levado para fora da sala para que sejam feitos os procedimentos de rotina, e você continua ali, sendo costurada. Essa parte da cirurgia costuma durar entre 10-30 minutos, dependendo da rapidez e da técnica do médico. Terminada essa etapa, você será levada até uma sala de recuperação onde ficará ligada a aparelhos, ainda recebendo soro na veia, por aproximadamente duas horas antes de subir para o quarto. Não tem como prever os seus sentimentos durante a espera – ficará tranquila, sabendo que o filho nasceu bem, ou nervosa por não estar com ele? E quanto aos sintomas físicos – terá alguma reação desagradável aos anestésicos (pressão baixa, coceira, dor de cabeça)? Impossível prever. Mas eu recomendo que leia o relato da AnneÉ de arrepiar. A pior parte, a recuperação ainda está por vir, mas vou parar por aqui. Não coloquei fotos porque sei que tem gente que desmaia ao ver sangue. E não quero isso. Ainda mais se você estiver grávida. Mas para quem não corre esse risco, sugiro dar uma espiada aqui. Porque, às vezes, uma imagem vale por mil palavras.

35 Comentários

Arquivado em Uncategorized