Olha, mesmo correndo o risco de soar insensível, preciso confessar: nunca entendi aquelas mães que são obcecadas com a falta de apetite do filho ou que ficam perplexas por suas frescuras preferências com relação à comida. Minha reação sempre foi pragmática ao extremo: se ele não quer comer, então não está com fome e, portanto, não há nenhuma razão para se preocupar ou se ele só quer comer batata frita/ chocolate/ biscoito Maria é obviamente porque os pais o acostumaram assim e basta que retirem as porcarias do cardápio e ofereçam outros alimentos. Simples assim.
Será?
Bom, a verdade é que não deve ser nada simples viver com um filho que não quer comer. Mas também não precisa ser assim tão complicado! Agora que entendo bem mais sobre as necessidades dos bebês e das crianças pequenas continuo convicta de que a melhor estratégia para lidar com uma criança difícil para comer é começar com uma abordagem “menos é mais”: menos pressão, menos chantagem, menos neurose. Estou convencida de que as dificuldades de alimentação dos filhos começam (e provavelmente terminam) com as expectativas (irreais, mal informadas) dos pais.
Antes que você se revolte comigo e lance um “ah, mas você não sabe como sofro com isso!” peço que me escute; vou explicar o porquê desse meu raciocínio nada convencional.
Primeiro ponto: Uma criança tem instinto de sobrevivência. Isso significa que ela só irá morrer de fome se estiver muito doente. E, se esse for o caso (bata na madeira), acredite, você saberá. Um dos sinais mais óbvios é a perda de peso. Se seu filho come pouco, tem pouco apetite ou mostra preferência extrema por alimentos restritos, mas continua ganhando peso (mesmo que lentamente) e se comportando normalmente no dia a dia, então pare de se preocupar com sua alimentação e seja feliz (e permita que ele também o seja). Isto é especialmente verdadeiro se a criança ainda mama no peito. O leite materno – ao contrário das crendices populares e da ignorância divulgada por certas figuras midiáticas – tem um valor nutricional importante mesmo após os primeiros 6 meses ou os primeiros 2 anos preconizados pela OMS e pelo Ministério da Saúde. As comidas sólidas devem ser oferecidas a partir do sexto mês, mas não se tornarão a principal fonte de nutrientes do bebê da noite para o dia.
Segundo ponto: É bastante provável que as expectativas de quanto seu filho deve comer estejam equivocadas. Se você ou o seu pediatra estiverem usando como base a “média” das crianças, o erro está aí. As médias servem para guiar, mas quase nenhuma criança está na média. É uma questão de lógica: a maioria das crianças está ou acima ou abaixo da média! Portanto, se o seu filho está no percentil 25 da tabela de peso para bebês de sua idade, ótimo! Por que esperar que ele esteja no percentil 90? Isso não é uma prova de colégio: estar num percentil baixo não significa estar “no vermelho”! Outra coisa: na hora de pôr o prato do seu filho, lembre-se de que o estômago de uma criança de 10/15/20 quilos não é o mesmo que o estômago de um adulto. Uma maçã representa só 1/3 do seu estômago, mas 100% do estômago de um bebê!
Terceiro ponto: A opinião vigente sobre como seu filho deverá comer é limitada, pouco criativa e, muitas vezes, ineficaz. Como assim opinião vigente? A visão que as pessoas (pais, pediatras e terceiros) têm sobre a alimentação infantil é basicamente esta: de seis meses a um ano, aproximadamente, ofereça papinhas de legumes, frutas amassadas, suquinhos ou mingaus; depois disso, sirva “comidas de criança” (arroz, feijão, macarrão, carninha, biscoito). Eu rejeito veementemente este modelo limitado e insosso. E digo mais: acho isso um desrespeito à criança, que, como ser humano curioso e complexo, tem vontade de experimentar uma diversidade de sabores e texturas e se esforça para se aproximar dos pais e irmãos mais velhos em seus hábitos e habilidades. Esse modelo em duas etapas – comidas “para bebês” e comidas “para crianças” – é puramente cultural: seu filho não precisa comer dessa forma! Você pode começar a oferecer os alimentos da família a seu bebê a partir do momento em que ele demonstrar interesse em pegar a comida com as mãos e levá-la até a boca. Aliás, isso não parece muito mais simples, prático e lógico? Claro que adaptações serão necessárias: talvez você tenha que tirar ou reduzir o sal, deixar os legumes menos al dente e mais cozidos, maneirar nos temperos, cortar a comida em pedaços que cabem na mão… Enfim, seja criativo!
Quarto ponto: Comer não é somente um ato nutritivo, mas um ato social, regido também pelas emoções. Da mesma forma que mamar não é só sobre nutrientes, mas também sobre carinho, proteção, proximidade, diálogo e, sobretudo, relacionamento com a mãe, comer também ganha um valor muito acima da mera sobrevivência. Comer é um ato familiar e de grupo. É na companhia da comida que compartilhamos histórias, confidências, risos com nossos amigos e parentes. Frequentemente, é também onde acontecem os momentos não tão cor-de-rosa relacionados a estar com a família. Portanto, tentar dissociar a alimentação do prazer do convívio social é um equívoco. Cercado por carinho, atenção e tranquilidade, aposto que mesmo a criança mais desinteressada na comida ficará mais propensa a experimentar a comida que seus companheiros de mesa estão comendo. Nesse sentido, concordo com os noruegueses da Stokke, que criaram a genial cadeira Tripp Trapp para que os bebês sentem na mesa e partilhem das refeições da família.
Portanto, se você ou alguém que você conhece não está feliz com a relação do seu filho com a comida, talvez esteja na hora de repensar as suas expectativas pessoais e culturais e parar de pôr a culpa no coitadinho. Para solucionar o “problema”, minhas dicas são:
- Não faça um desmame abrupto. Ele sofrerá muito menos se começar a comer sólidos aos poucos e continuar recebendo a nutrição e o conforto do seio materno.
- Esqueça as papinhas e os mingaus; em vez disso, ofereça alimentos interessantes, de preferência os mesmos que você mesma come, e deixe que ele experimente comer sozinho (uma boa ideia: forrar o chão com uma toalha ou uma folha de plástico).
- Não veja as orientações do pediatra como uma receita médica: seu filho não precisa comer exatamente o que está no papel, muito menos nas horas específicas estipuladas no cronograma. Alimentação não é doença.
- Evite insistir, chantagear, implorar ou esbravejar. Mantenha um clima tranquilo, sem pressão.
- Coma você também junto com ele. Ou melhor – aproveite a oportunidade para reunir a família, falar sobre a comida e os sabores e ensinar o prazer da comida.
- Confie no seu filho – ele sabe se alimentar.
Recomendo fortemente que assista ao vídeo do meu guru Carlos González sobre Alimentação livre de Papinhas (em espanhol). Ah, por falar em vídeo, se quiser saber mais sobre a cadeira Tripp Trapp, veja também o filme promocional da Stokke ou, se for moradora do Rio, visite a loja What Mommy Needs – Eco Family Store, na galeria Ipanema 2000, e experimente-a ao vivo e a cores!
Boa sorte e, sobretudo, bon appetit!