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O custo de um filho

No mês passado a Folha de São Paulo publicou uma matéria que abre com a seguinte pergunta: “quanto custa um filho?” Como pertenço a uma classe socioeconômica em que é culturalmente aceito e esperado levar em consideração o quesito grana antes de engravidar, li a matéria com bastante interesse. Fiquei chocada quando vi a cifra de 2 milhões (custo total até completar 23 anos de vida, para um filho de classe média). Lembro bem do dia em que um parente – que ganha bem mais do que eu e meu marido juntos-  advertiu, com toda sua prepotência: “pense bem se vocês têm grana para ter um filho”. Reagi com raiva na hora – quem era ele para dizer que eu não ganhava bem o suficiente para começar uma família? – mas fiquei quieta. O fato é que a grande maioria dos meus colegas concordaria; muitos esperaram o momento “certo”, após um determinado período de estabilidade conjugal e profissional, para ganhar o título de pai ou mãe. E nessa definição do momento “certo”, o dinheiro entrou como um dos primeiros critérios.

Não estou aqui para dizer que filhos não custam dinheiro. É evidente que custam! Até o meu cachorro quando entrou para a família há 2 anos e meio atrás aumentou de forma significativa os gastos mensais daqui de casa. Mas, e é um senhor “mas”, colocar na ponta do lápis os gastos que o casal supostamente terá depende muito das escolhas que essa família fará. Será que, para ter um bebê, você precisa:

  • Montar um quartinho de bebê como aqueles das revistas de decoração?
  • Contratar uma babá ou enfermeira para os primeiros 4 meses (enquanto está em licença maternidade)?
  • Ter 15 pares de sapatinhos, uma coleção de laços e frufrus, 6 conjuntinhos de linha com manta combinando e uma mala especial para lavar as roupas do bebê para a maternidade?
  • Comprar uma dúzia de aparelhos importados, como babá eletrônica com câmera de vídeo e acesso wireless, balanço com três níveis de vibração e 5 músicas pré-gravados, um móbile eletrônico com 6 opções de canção de ninar, além de meia dúzia de brinquedos barulhentos da Fischer-Price?

É óbvio que não! Certamente seu bebê não ligará para nada disso – e até se irritará com esses supérfluos – com exceção da babá, que, dependendo da família e do nível de participação do pai e outros familiares, pode ser muito bem vinda. Parece difícil acreditar, mas um bebê precisa mesmo é de amor e de atenção. O resto não passa de objetos que acreditamos serem essenciais – seja para facilitarem nossa vida (sendo que raramente o fazem, aposto eu) ou para compor o cenário que nossa fantasia criou como sinônimo de “maternidade/ paternidade”.

No entanto, uma coisa que um bebê definitivamente custa (e isso não muda muito à medida que cresce) é TEMPO. Na verdade, considerando o público-alvo da Folha de SP (a classe média), eu diria que é bem mais importante pensar na questão “quanto custa um filho” em termos de tempo do que de dinheiro. Porque o essencial mesmo para se ter um filho, em termos de custos financeiros, uma pessoa de classe média consegue bancar, com ou sem aperto. O berço pode ser comprado parcelado e os outros móveis do quartinho adaptados; uma avó pode servir de back-up, economizando na babá, ou pode-se contratar alguém para dar um apoio por 1 ou 2 dias da semana; o enxoval pode ser herdado de amigos e parentes (e muitas peças novas serão recebidas de presente); as fraldas costumam ser doadas por amigos e colegas de trabalho no chá de fralda; o plano de saúde da empresa (para assalariados) cobre as despesas com consultas e vacinas podem ser na rede pública.

Portanto, ao invés de falar em dinheiro, que tal falar sobre o tempo? (já que tempo é dinheiro mesmo, não é o que dizem?)

Filhos custam, além de dinheiro, TEMPO. É preciso gastar seu tempo para alimentá-los, acalentá-los, vesti-los, trocá-los, brincar e conversar com eles e, sobretudo, olhar e estar com eles. Fiquei chocada com a página da Pampers no Facebook onde se recomenda passar “pelo menos 15 minutos” com o filho depois de chegar em casa do trabalho. Como assim, 15 minutos?!

Vou encerrar com as palavras do sociólogo e escritor argentino Sergio Sinay, tiradas da excelente entrevista feita pela Isabel Clemente, da Mulher 7×7, do site da revista Época:

Não há qualidade sem quantidade. Em qualquer tarefa para alcançar qualidade é preciso tempo, compromisso, dedicação. O famoso “tempo de qualidade” de que falam muitos pais – e que inclusive tem o apoio de pediatras e psicólogos infantis – é uma desculpa para que os pais não se sintam culpados. Os pais são adultos e um adulto sabe que na vida não se pode tudo. Há que optar. Para dedicar tempo aos filhos, é preciso deixar outras coisas de lado. O “tempo de qualidade” são cinco minutos nos quais os pais culpados dão tudo aos filhos para evitar o conflito. Isso faz muito mal aos filhos. Se não há tempo, não há qualidade. E se não há tempo para os filhos, é preciso pensar antes de se tornar pais. Depois é tarde.

Portanto, na hora que alguém levantar o assunto do “custo” de um filho, lembre-se de colocar na balança não só o dinheiro, mas, principalmente, o tempo que você tem à disposição. Aposto que, mesmo que ele nunca venha a te agradecer, seu filho será muito mais grato pelo tempo que passaram juntos do que com o dinheiro gasto com ele.

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Gravidez: o corpo entregue

Mãe Terra, de Brigid Marlin

Confesso que tenho uma visão muito romântica de como é  “estar grávida”. Imagino-me num perpétuo e profundo estado de graça, ciente e sentiente de estar gerando uma nova vida. Se fosse escrever um poema (coisa que definitivamente não farei – por razões que você entenderá logo), escolheria palavras como: semente, segredo, tesouro, dádiva, luz, sublime… (não disse que não sou poetisa?!) As imagens que aparecem para mim são transcendentes, carregadas de vida, amor e fé nas forças da natureza. [Imagino que as leitoras que já passaram por isso estejam rindo muito neste momento!]

Definitivamente, essa imagem “deusa-mãe” não é a impressão que me passa a maioria das grávidas no meu círculo de amizades. Pelo contrário, nelas predominam  o estranhamento, a ansiedade (para não dizer pavor) e a resignação. Lembro-me de uma ocasião em que uma grávida me falou que se sentia possuída, como se o feto de poucas semanas de gestação estivesse roubando-lhe as forças e os nutrientes. Imediatamente, pensei naquele filme Alien, o 8º passageiro. Recentemente, uma amiga querida caiu aos prantos e confessou sua culpa por ter, sem querer, sido exposta a toxinas quando visitou o seu apartamento, que estava em obras; soluçando, se crucificou por um possível futuro câncer em seu filho. Uma outra amiga concordou em brindar a boa notícia de sua gravidez com um pouquinho de champanhe, já que sua médica havia liberado o consumo de uma taça de vinho de vez em quando.

São experiências muito diferentes entre si, mas todas revelam um elemento da gravidez que muito me assusta: a entrega do próprio corpo. No primeiro caso, o corpo está entregue a uma criatura compreendida e sentida não como simbiótica, mas parasita (para lembrar o curso de biologia, simbiótico é o relacionamento em que ambos se fortalecem; parasítico é aquele em que um se aproveita do outro). No segundo, a gravidez fica entregue aos medos profundos e as neuroses existentes em todas nós, mas que podem se tornar mais difíceis de contornar ou de sufocar nessa fase tão sensível e intensa da vida de uma mulher. Por fim, no terceiro, o corpo e, especialmente, a nova vida que brota dentro dele estão entregues ao saber médico. [Aqui vou fazer um parêntese: não estou falando que minhas amigas passaram a gravidez inteira tomada por esses sentimentos, somente que são pontos de partida para uma reflexão].

Tenho medo de olhar no espelho e me enxergar nesses exemplos quando chegar a minha vez. Não quero pensar no meu filho, tão desejado, tão esperado, como um parasita faminto que está roubando minhas forças e minha senhoria sobre o meu corpo, que, com seu crescimento descontrolado, me força a adquirir formas e contornos estranhos. Não quero ser tomada por pavores irracionais nem mergulhar nas profundezas da minha psique e descobrir monstros horrendos ou, pior, uma criatura insegura e neurótica. Tampouco quero entregar decisões básicas e inalienáveis da minha vida – tipo, o que comer e beber – para uma médica que pode estar se baseando em crenças pessoais, pesquisas datadas (não é o caso da médica da minha amiga, diga-se de passagem) ou impulsos extremamente controladores. A verdade, admito, é que eu não suporto a ideia de abrir mão da minha idealização, da minha autoimagem, da minha autonomia.

Mas não seria a gravidez o perfeito momento para tamanha entrega? Para soltar de nossos punhos cerrados nossas verdades e certezas, lançando-as ao imponderável e, aos poucos, mesmo que sofrendo, mesmo que relutante, abrir um espaço real e possível para um outro ser?

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Por que mais um blog sobre maternidade?

Desde menina, sonho em ser mãe. Antigamente, queria ter quatro filhos. Bom, esse número eu abandonei, mas o sonho continua. Agora, aos 32 anos, ele está próximo de se realizar. Assim espero. Estou, oficialmente, tentando. Há um ano estou tentando me preparar – emocional e psicologicamente – para essa “viagem” e, por ser uma leitora meio obsessiva, estou com um ano de informação e pensamentos acumulados. Sempre gostei de escrever e de expor minhas análises e opiniões (nada ortodoxas) a amigos e conhecidos, e quando nasceu a ideia de ter um blog achei o que havia encontrado o meu caminho. Afinal, a blogosfera é o lugar perfeito para desconhecidos monologarem sobre tudo o quanto é assunto! E, de quebra, eu transformaria minha busca incessante por informação em algo que poderia ajudar os outros. Mas a verdade é que esse desejo de discursar sobre temas muito queridos ficou muito tempo na incubadora. Ao longo de meses acompanhando, conhecendo e pesquisando blogs e sites relacionados a maternidade, duas perguntas teimavam em aparecer para freiar a minha empolgação:
1. Por que criar mais um blog sobre maternidade se tudo que eu penso já foi dito antes e, geralmente, de forma muito eloquente, profunda e bem humorada?
2. Quem vai querer acompanhar um blog sobre gravidez, parto e maternidade de alguém que não é nem mãe, nem doula, nem obstetra, nem consultora em amamentação, nem pediatra e nem “baby expert”?

Antes de entrar nos assuntos que quero abordar aqui no blog – dos mais fúteis (enxoval, brinquedos, roupas) aos mais filosóficos (o que é uma boa mãe, como fazer escolhas conscientes na gravidez e parto, por que amamentar é tão difícil) – preciso responder a essas perguntinhas chatas. Espero que as respostas sirvam, de certa forma, como uma apresentação.

1. Pois bem. Não prometo que esse blog será especial, nem mesmo que haverá um “diferencial” ou um ponto de vista focado no público x, y ou z. Só posso afirmar que três aspectos fundamentais da minha identidade o nortearão: minha cabeça de antropóloga e feminista, minha vivência como editora (e devoradora) de livros e, por fim, minha paixão pelo tema. Eu entendo esse universo da gestação e da maternidade como algo que está inserido na nossa cultura e que, portanto, é influenciado por vários fatores (ideologia, questões econômicas, mitos e preconceitos). Acho fundamental expor e debater esses fatores e elementos para que cada mulher possa fazer escolhas conscientes e inteligentes baseadas em suas crenças e individualidade, e não no discurso do status quo – ou, pior, no que sua mãe/sogra/obstetra/pediatra mandam. Essa minha inclinação questionadora, plural e, sim, um tanto idealista será a marca desse blog.

2. Se alguém vai se interessar por minhas reflexões ou provocações, honestamente, não tenho como saber. Espero que sim. Espero mostrar que mesmo não sendo médica nem mãe, tenho acesso a informações cientificamente válidas (artigos acadêmicos, livros escritos por profissionais de saúde, psicólogos, cientistas sociais) e culturalmente relevantes (experiências e histórias de mulheres e mães de todos os estilos e procedências) que podem ser interessantes para quem busca refletir sobre o assunto. Espero também que, justamente por causa dessa minha condição nada especialista, você, leitora, possa ver em mim uma amiga: um espelho, um trampolim, um ponto de partida para explorar a sua própria identidade materna – seja você tentante, gestante, mãe ou meramente uma interessada no assunto. Enfim, só desejo que esse blog possa contribuir para a sua viagem rumo à mãe que você quer ser.

Seja bem vinda.

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