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Série Inspiração: Pais contemporâneos, bebês atemporais, por Meredith Small

Por mais (pós)modernos, urbanos e “antenados” que sejamos, a verdade é que nossos bebês são pré-históricos: biologicamente são iguaizinhos aos bebês que nasceram há 5000 anos. Também são idênticos aos bebês que nascem hoje em países e culturas muito diferentes da nossa. Essa é a tese que gerou um clássico americano, escrito pela antropóloga e professora da Universidade de Cornell Meredith Small, Our Babies, Ourselves (Nossos bebês e nós mesmos), publicado em 1998 pela Achor Books. O trecho de hoje é da conclusão desse livro maravilhoso (nunca editado no Brasil, infelizmente).

Pais contemporâneos, bebês atemporais

Criar filhos é um verdadeiro circo de egos e necessidades, limitações biológicas e expectativas evolutivas, que interagem entre si. Como em tudo na vida, ser pai é também uma série de concessões; não existe uma maneira perfeita, somente uma série de opções, um bando de caminhos possíveis, que direcionam os adultos na entrépida função de criar seus bebês. E é mesmo tão trabalhoso que faz sentido se perguntar por que as pessoas têm filhos afinal. Mas como me apontou Jim McKenna quando comentei sobre o investimento excessivo que os recém-nascidos requerem: “A evolução nunca nos prometeu um mar de rosas”. Nossa natureza envolve passar para frente nossos genes e isso significa pagar o preço que os bebês exigem. Criar filhos é para ser, de fato, muito trabalho, além de cansativo para o organismo adulto, porque é assim que o animal humano foi concebido. Se nós, enquanto pais, aceitarmos essa verdade fundamental – que ter um bebê e criá-lo até a idade adulta significa uma enorme limitação na vida, nos recursos, nos nossos aspectos físico e emocional e, considerando o tamanho da responsabilidade, não é para qualquer um – então estaremos efetivamente alinhados e de acordo com nossa herança evolutiva.

Na interseção dessa verdade fundamental está a saída de emergência da cultura, que nos permite tentar diversas maneiras de adminstrar essa função. A cultura e a tradição fazem parte da nossa flexibilidade, e nos podemos, portanto, mudar as normas da cultura porque somos a cultura. […] Ninguém espera que uma mãe passe a morar numa oca e viva da caça ou da coleta carregando um bebê nas costas. Mas é razoável sugerir que dormir com um bebê faz bem e que não o transformará numa criatura dependente e chorona. Talvez não queiramos alimentar um bebê continuamente como os Khoisan [um grupo étnico africano], mas uma mãe pode certamente decidir reduzir o intervalo entre as mamadas, ou alimentar sem horários fixos se ela quiser. E não existe vergonha alguma em usar o bebê num sling ou carregador em vez de deixá-lo no cercadinho. A cultura não deve ser uma ditadora, mas uma facilitadora.

E todos os pais têm a opção de rever e aceitar ou rejeitar sua bagagem cultural. Por exemplo, pais ocidentais com todas sua sofisticação tecnológica podem tomar decisões pessoais sobre os produtos que os fabricantes lhes empurram na tentativa de facilitar a vida. Trata-se de avaliar esses aparelhos sob um entendimento do bebê informado pela ótica da evolução e diversidade cultural, que nos dá a opção de rejeitar essas supostas inovações se quisermos. Podemos decidir que o cercadinho, quando tem gente disponível para segurar o bebê, não é a melhor opção, ou que usar um bebê conforto para confinar o bebê na sala de estar não é a maneira ideal para ele passar o dia. Podemos escolher reverter a direção da babá eletrônica e deixar que o bebê, sozinho em seu berço, se exponha aos barulhos da família ao invés de excluí-lo do convívio social.

O bebê humano não é meramente um aglomerado do reflexos que se transforma num adulto consciente. Os bebês foram, e continuam sendo, moldados pela evolução para passar pelo canal de parto, para expressar suas necessidades através do choro e da inquietação, e para interagir com o mundo a sua volta. […] É assim que o bebê adentra nesse mundo, mas não é necessariamente assim que o mundo o enxerga. Como os seres humanos demoram tanto para se desenvolverem, há oportunidades, e tempo, de sobra para desencontros e malentendidos ocorrerem enre bebês, cujas necessidades internas o levam a esperar certas coisas, e seus pais, que querem simplesmente seguir em frente com suas vidas. É a famosa faca de dois gumes – a evolução forneceu aos humanos um amplo campo de atuação, porém às vezes não fazemos ideia de como suprir nossas necessidade de forma mais eficiente. Somos destinados a fazer sexo, gerar bebês que contêm nossos genes, e assegurar que eles cheguem à idade para procriarem – este é o plano que a natureza tem para nós. Mas há muita folga no sistema, muito espaço para manobrar, e muitas formas de fazer errar. “A evolução nos deu uma arena em que cuidar de crianças pode ser aprendido”, explica o antropólogo Jim McKenna, “mas não nos diz o que deve ser aprendido, então aprendemos tudo quanto é maluquice sobre os bebês”. […]

Aceitar que os bebês são às vezes um fardo e depois tentar criá-los num estilo que não rompe com a díada pai/mãe-bebê, mas que facilita sim a vida, é o desafio que todos nós enfrentamos. Na maioria das vezes, isso significa confiar no instinto paterno/materno – isto é, o bom sense, que também evoluiu para ser um guia. E os bebês também nos ajudam, com seus braços erguidos, seus sorrisos sapecas, e seu choro e sua irritação, que nos informam se estamos no caminho certo.

*

Se você é leitor do blog, deve ter percebido que as ideias de Meredith Small e de outros adeptos da “etnopediatria” (como Harvey Karp e Jim McKenna) servem como pano de fundo aos posts sobre babywearingexterogestação e cólica. As minhas “primeiras impressões” sobre os valores que norteiam a criação de filhos em vários países também segue um pouco essa linha antropológica…

Mas quero deixar claro que não estou incentivando ninguém a romper com as convenções sociais da nossa cultura ou alegando que tudo o que fazemos é errado. O importante é saber que, com tanta informação disponível hoje sobre as práticas de outros povos e de outros tempos, temos a chance de aumentar nosso leque de opções ao invés de sermos obrigados a repetir, de forma automática e sem senso crítico, as atitudes de nossos amigos e parentes – especialmente se essas escolhas não estiverem alinhadas com o que julgamos ser melhor para nossos filhos nem com as nossas próprias crenças e necessidades. É essa diversidade de opções e liberdade de escolha que eu curto. Para usar as palavras da autora prestigiada:  A cultura não deve ser uma ditadora, mas uma facilitadora. 

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5 dicas para diminuir o choro (ou a “cólica”) do bebê

Agora que você já compreendeu  o que é (e o que não é) a cólica e sabe quão rara ela é em culturas não-ocidentais, seguem abaixo cinco dicas que podem contribuir para a diminuição do choro do seu bebê. Não prometo milagres, mas garanto que você se sentirá mais capaz e mais tranquila depois de saber que existem ferramentas não-farmacológicas para reduzir o sofrimento ou desconforto que se manifesta pela “cólica”.

Aprenda com o Obama: um bebê que chora precisa de colo!

1. Entenda que chorar é normal – e o instinto de acalmar o seu bebê também!

Bebês choram. É sua principal ferramenta de comunicação. Eles choram para comunicar fome, desconforto, solidão, susto… Choram por motivos que talvez nunca compreenderemos de fato. No entanto, da mesma forma que eles choram quase que por reflexo, nós também temos o impulso de fazê-los parar de chorar. O choro de um bebê nos incomoda profundamente. E esse incômodo nos mobiliza para agir!

Eu adoro essa foto do Obama acalentando uma bebezinha desconhecida numa multidão de fãs que estavam visitando a Casa Branca. Pode até ter sido uma jogada de marketing pessoal, mas adorei que Obama agiu instintivamente naquele momento: pegou a criança no colo, trouxe-a carinhosamente para perto do peito e pronto, o choro parou! Longe das câmeras de televisão, pode não ser tão simples. Mas, mesmo assim, confie. Confie na necessidade do bebê em chorar e na sua habilidade de acalmá-lo.Procure não se desesperar com o berreiro nem pare para refletir muito sobre o que, por que, como etc. Respire e aja instintivamente. Tenho certeza de que, se você permitir, verá que o seu instinto é pegar seu filho no colo, conversar com ele ou alimentá-lo, ou trocar sua fralda, ou tirar seu casaco ou balançá-lo em seus braços ou… enfim, basta de exemplos! Simplesmente desligue um pouco a mente preocupante e permita que o coração entre em ação.

2. Amamente sem horários fixos (“sob demanda”)

Como especulei no post anterior, uma possível causa da cólica é o desconforto abdominal gerado pela imaturidade do sistema digestivo. Seguindo essa linha de raciocínio, uma explicação pela tranquilidade dos bebês não-ocidentais seria a forma particular em que as mães os amamentam. E a principal diferença entre os bebês não-ocidentais e os nossos bebês, em se tratando da amamentação, é o relógio: longe dessa nossa cultura “moderna”, ditada pelo relógio e pela lógica da produção e eficiência, os bebês não são amamentados em intervalos fixos de 2 ou 3 horas, por 10 ou 15 minutos em cada peito, alternando um e outro etc. etc. Por não ter essa preocupação de estar fazendo “certo”, de estarem mamando “o bastante” ou de não se tornarem “escravos do bebê”, o peito é oferecido quando o bebê demonstra sinais de fome. Assim, eles mamam pouca quantidade por mamada, mas várias vezes ao dia. Assim, o estômago deles nunca fica tão cheio nem tão vazio, minimizando o desconforto. Pelo menos em tese ;-)

3.  Faça como os cangurus

Como vimos no post anterior, a rotina do recém-nascido não-ocidental difere principalmente da rotina dos ocidentais pela falta de acessórios que “facilitam” a vida dos pais ocidentais (bebê conforto, berço, balanço etc). Esses acessórios todos permitem que o bebê fique longe de nós, quando na verdade sua fisiologia é de uma criatura extremamente prematura, despreparada para ficar sozinha  – tal como o filhote de canguru. O bebê cujos pais não têm todos os acessórios fica muito mais no colo ou amarrado junto ao corpo da mãe (ou de uma tia, irmã mais velha etc), geralmente em posição vertical. Por que insisto tanto na posição vertical? Bom, é uma questão de bom senso: de novo olhando para a fisiologia, quando o bebê fica na vertical, a gravidade dificulta a subida do leite pelo esôfago, o que pode ser muito incômodo, especialmente porque o esfíncter do bebê não está bem fechado ainda (causando golfadas e, muito raramente, refluxo).

O toque humano também é um fator primordial para o bem estar geral do recém-nascido. O contato pele a pele ajuda os nenéns pequenos a regularem suas temperaturas e respiração, acalmando-os naturalmente. Se quiser saber mais sobre os benefícios do toque, leia o post sobre exterogestação.

Você pode aprender a técnica do embrulho ou comprar um swaddle blanket para facilitar a sua vida.

4. Experimente a técnica de Harvey Karp

Harvey Karp tem milhares de fãs porque ele popularizou uma técnica supostamente milagrosa para acalmar os bebês naquela fase da vida em que a cólica acontece: entre 6 semanas e 3-4 meses de vida. Segundo ele, sua técnica desencadeia o “reflexo de calma” que faz os bebês pararem de chorar. Li o seu livro O Bebê Mais Feliz do Pedaço depois de ver as 700 resenhas positivas na Amazon e achei a técnica consistente. Recomendo o livro (que infelizmente parece estar esgotado) ou, em último caso, o DVD.

Como não vou deixar minhas leitoras na mão, segue um resumo dos principais pontos da técnica de Karp, que ele chama de 5 S’s.

  • Swaddling (ou embrulhar): consiste em embrulhar o bebê num cueiro, deixando os braços bem juntinhos ao corpo. A lógica é que a restrição simula as condições uterinas e “desativa” o reflexo de Moro (que pode despertar ou até assustar o bebê).
  • Side-lying (deite-0 de lado): com ele embrulhado, vire-o de lado, segurando-o como se fosse uma bola de futebol americano, com a barriguinha ligeiramente para baixo.
  • Shushing (faça ‘shhh’): isso é instintivo, mas não custa lembrar: emitir o som do “shhh” tem um efeito calmante. O dr. Karp ressalta que o barulho deve ser alto (lembre-se, o útero não era um lugar super silencioso!).
  • Swinging (balançar): outra dica que também é instintiva é balançar ou embalar o bebê, como se estivesse numa cadeira de balanço. Esses movimentos contínuos e repetitivos têm um efeito hipnótico.
  • Sucking (sugar): quando o bebê usa os músculos para sugar numa chupeta, no peito ou na pontinha do seu dedo (devidamente lavado), isso também o coloca num estado mais calmo.
É importante acrescentar que o dr. Karp recomenda que os 5 S’s sejam feitos nesta ordem. Segundo ele, o pai é craque nessa técnica, não só porque ele não tem medo de ser um pouco vigoroso como também porque ele costuma estar menos cansado, conferindo a calma necessária para executar a técnica com perfeição. Eu digo mais: é uma ótima oportunidade para ele criar um vínculo forte com o neném, se sentir capaz de cuidar do filho e de dar à mulher um merecido descanso.
5. Faça ajustes na alimentação

Por fim, se as dicas 1 a 4 não surtirem efeito, comece a pensar em motivos fisiológicos pelo mal-estar. Seu bebê pode ter uma sensibilidade ou intolerância a algum alimento que você costuma ingerir. Faça um teste, evitando certos alimentos como leite e seus derivados, glúten, soja, ovos ou amendoim. Mesmo assim, quero deixar bem claro que eu não acredito que a maior causa de desconforto no recém-nascido venha dos alimentos que ele ingere via leite materno. Tendo a crer que nós é que procuramos uma causa tangível (uma partícula alergênica, um diagnóstico de gases, um rótulo qualquer), quando pode ser que a explicação seja muito mais complexa e imprecisa.

Mas agora quero saber de quem de fato já passou por isso: como foi a experiência de lidar com o choro excessivo ou a cólica?

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Você sabe o que é a cólica do bebê? (sabe mesmo?)

Se você está grávida, preparando-se para tal ou com um bebezinho novo em casa, é provável que tenha pavor da terrível Cólica (com ‘c’ maiúsculo). Certamente já ouviu histórias horripilantes de bebês aparentemente angelicais que viram monstros depois de uma certa hora, deixando os pais acordados por toda a madrugada enquanto berram e esperneiam. Agora então, com a proibição da funchicórea – aquele fitoterápico que algumas mães consideram “mágico”, mas cuja eficácia não é comprovada – a tal da cólica ficou ainda mais assustadora [antes que você se zangue comigo: não estou defendendo o uso desse “remédio”, só estou informando que agora a funchicória foi proibida pela Anvisa]. Mas vamos começar pelo começo: você sabe o que é de fato a cólica?

Vamos fazer um teste?

Escolha uma das opções. A cólica dos bebês é:

a. Caracterizada por dores abdominais, geralmente causada por gases, azia ou indigestão.

b. Um termo usado para falar de qualquer dor ou incômodo físico que faça o recém-nascido chorar por mais de uma hora por dia.

c. Diagnosticada em casos de bebês que passam no mínimo três horas por dia chorando, no mínimo 3 dias por semana, ao longo de no mínimo três semanas.

d. Um rótulo colocado indiscriminadamente em bebês que choram muito por nenhum motivo aparente.

Se você escolheu a opção a, como dita o senso comum, ERROU. Chocante, não é? A cólica do recém-nascido não tem nada a ver com a nossa cólica e não necessariamente está relacionada a dores abdominais! A resposta b está próxima, mas também é incorreta. A definição oficial de cólica é a opção c: ou seja, cólica é o termo usado para descrever a condição de bebês que choram por três horas ou mais por dia, durante três ou mais dias na semana por um período mínimo de três semanas consecutivas. Mas quantas vezes você já não viu pais de um bebê de duas semanas reclamarem da cólica quando nem deu tempo de observar o bebê por esse tempo todo? Aposto que mais de três vezes – no mínimo ;-)! Por isso, eu tendo a concordar com as pessoas que marcaram a opção d: que o termo “cólica” está sendo usado a torto e a direita para rotular qualquer bebê com um grau de irritação e/ou inquietude acima do desejável, transformando o que é fisiológico (o choro) em patologia (“cólica”).

Resumindo: “cólica” é uma palavra que não explica a origem do problema, e sim descreve um comportamento comum dos recém-nascidos, que aparece geralmente a partir da terceira ou quarta semana de vida e costuma parar por volta dos três ou quatro meses. Portanto, quando pediatras, parentes e conhecidos sugerem mudanças na dieta (em geral, a eliminação de laticínios e condimentos), receitam remédios ou fitoterápicos para aliviar os gases e indicam bolsas de água quente ou massagens para reduzir o desconforto, essas ações não passam de palpites para mudar o comportamento, já que não se sabe a causa do problema, simplesmente o sintoma – isto é, o choro prolongado.

Nunca tive que lidar com um bebê com cólica, então peço desculpas se você, que já passou por isso, está se irritando com esses detalhes teóricos. Imagino que seja realmente desesperador e que qualquer um tentaria DE TUDO para fazer seu amado parar de sofrer – desde remédios com prescrição médica até duvidosos pozinhos com adoçante (a funchicórea contém sacarina). Mas, como minha meta aqui é apresentar uma nova maneira de pensar sobre temas relacionados à maternidade, vou propor uma visão alternativa sobre a cólica baseada em uma observação interessante (que, por acaso, não é nada nova): segundo estudos em recém-nascidos coreianos, iranianos e !kung san (uma tribo africana), bebês de culturas não-ocidentais passam menos tempo chorando (e, portanto, têm menos “cólica”) que bebês ocidentais. Por quê será?

Já que todos tendem a achar que cólica está relacionada ao sistema gastrointestinal, comecemos pelo básico: a alimentação. Bebês em culturas tradicionais não são amamentados seguindo o relógio, mas continuamente, conforme a necessidade. Ou seja, eles não tem horários fixos para mamar e nem são forçados a ficar x minutos em cada seio ou o que quer que seja. A mãe oferece o seio quando o bebê mostra sinais de fome. E pronto. Assim, o bebê mama pouco muitas vezes ao dia (e ao longo da noite). É totalmente plausível que isso seja melhor para seu sistema digestivo ainda imaturo. Quanto ao leite em si,  nas culturas asiáticas e africanas – onde foram comprovadas o pouco choro dos bebês – come-se uma dieta variada e condimentada. No entanto, comparado ao Ocidente, consome-se menos laticínios. Portanto, pode ser que o laticínio seja um fator para o desconforto que causa o choro dos bebês. Isso também faz certo sentido do ponto de vista biológico, já que a proteína do leite é conhecidamente alergênica para muita gente (graças a Deus eu escapei dessa, pois amo leite!).

Além da alimentação, tem o cuidado com o recém-nascido como um todo: onde ele passa o tempo quando não está mamando, em que posição fica, por quanto tempo etc. A prática ocidental de deixar bebês longe da mãe – em carrinhos, bebês-confortos, berços, balanços – geralmente deitados não é muito comum no resto do planeta. Primeiro porque requer a compra de “coisas” (carrinho, bebê-conforto, berço, balanço) que não estão disponíveis ou ao alcance das pessoas. Segundo porque esses aparelhos todos não fazem sentido fisiológico: as mulheres por gerações carregaram seus bebês em slings ou deixavam eles nos braços de uma tia, irmã mais velha ou avó e esses hábitos sempre funcionaram. Assim, os bebês não-ocidentais ficam em contato pele a pele com alguém quase sempre, em movimento e, geralmente, verticalizados e embrulhadinhos. Seja por motivos emocionais (a tranquilidade da presença de outro ser humano) ou físicos (menos desconforto fisiológico) – ou ambos! – a consequência seria uma diminuição na frequência de choro e na sua duração.

Fora esses fatores “concretos”, há também o intangível: a atitude das mães e outros cuidadores. Apesar de ter gostado do livro de Laura Gutman, A maternidade e o encontro com a própria sombra (editora Best Seller), não posso dizer que acredito 100% na tese de que o bebê seja um reflexo (ou “a sombra”) de sua mãe – tese esta que colocaria “a culpa” dos males do bebê nas questões psíquicas mal-resolvidas de sua mãe. Faz sentido que o estado emocional da mãe afete o bebê (e vice-versa, óbvio!), mas não acho que necessariamente toda manifestação “anormal” (ou melhor: “indesejável”) no bebê seja um sinal de algo que precisa ser “consertado” na mãe. Por outro lado, uma atitude tranquila e confiante da parte da mãe só pode ajudar, né? E se você já teve a oportunidade de observar mães de culturas não-ocidentais (o documentário Bebês é uma boa pedida!), deve ter percebido que elas parecem ter uma serenidade, uma falta de preocupação ou “frescura” – enfim, uma naturalidade! – invejável. Olha, como antropóloga, tenho que dizer que odeio esse tipo de generalização, mas é fato que nossa geração de mulheres (ocidentais, instruídas, profissionais) tem uma tendência à ansiedade e à preocupação acima da média. Será que isso não pode estar influenciando a “cólica” dos bebês: seja na própria incidência dela ou na percepção de sua existência?

Enfim, ficam as perguntas e a reflexão. Em breve publicarei um post mais prático (e mais curto!): 5 dicas para diminuir o choro (ou a “cólica”) do bebê.

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Evolução, exterogestação e como sobreviver aos primeiros três meses

Você certamente conhece a teoria da evolução, mas já ouviu falar na teoria da exterogestação? Na verdade, as duas estão ligadas. Vou procurar fazer uma explicação sucinta dos conceitos, porque o que quero mesmo é falar da parte prática: como se adaptar aos temidos e temerários primeiros três meses da vida do seu bebê.

De acordo com os antropólogos, quando passamos a ser bípedes, muita coisa mudou. Andar ereto e caminhar em dois pés fez com que nossa bacia ficasse mais estreita e, para isso, os bebês passaram a nascer mais cedo, quando a cabeça ainda poderia passar pela bacia sem grandes riscos. O resultado disso é que os seres humanos passaram a nascer antes de estarem totalmente prontos ou maduros. Comparado a outros mamíferos, de fato o bebê humanos é extremamente… uh… atrasado (o termo científico é altricial). O bezerro mal nasce e já consegue andar, o golfinho nasce nadando e até um chimpanzé recém-nascido é mais comunicativo que um bebê humano. O bebê humano é molinho, não sustenta nem a própria cabeça, não tem coordenação motora, passa grande parte do seu tempo dormindo e é praticamente cego. Tudo isso porque o cérebro do bebê ainda está em desenvolvimento. Ao contrário dos outros órgãos, que vão crescer em tamanho, mas não em complexidade, o cérebro ainda tem muito a crescer (praticamente 400%) e a desenvolver. Somente as partes mais primitivas do cérebro – responsáveis pelas atividades que não controlamos conscientemente, os reflexos e atividades autônomas como respirar e digerir – estão “prontas” de fato.

É aí que entra a teoria da exterogestação. Como a própria palavra sugere, a exterogestação propõe que parte da gestação do bebê humano é conduzida fora do útero. O antropólogo Ashley Montagu foi quem apresentou o conceito que, recentemente, foi popularizado pelo pediatra americano Harvey Karp, que cunhou o termo “quarto trimestre”. Enquanto a teoria de exterogestação indica 9 meses de gestação fora do útero, o dr Karp fala somente dos primeiros três meses. Mas o propósito é o mesmo: reconhecer nessas criaturas extremamente dependentes e indefesas uma condição delicada de “não estar pronto”.

E, ao reconhecermos essa condição, podemos adaptar o nosso cuidado do recém-nascido levando isso em conta. Quais são as implicações práticas?

Vou fazer uma lista (como boa virginiana, adoro listas!):

O contato pele a pele é primordial

* Contato: O toque é o primeiro sentido a se desenvolver, é o mais primitivo que temos, junto com o equilíbrio. Por isso, o bebê deve ser acariciado, carregado, beijado e massageado sempre que possível. Estar nos braços da mãe ou do pai é aconchegante para o bebê, que se sente seguro assim. Estudos internacionais mostram que bebês que ficam em contato pele a pele (importantíssimo!) com a mãe (ou pai) regulam melhor os batimentos cardíacos e a temperatura e são menos estressados. O sling é um excelente acessório que satisfaz tanto a necessidade de contato sem afetar as outras principais necessidades do recém-nascido (dormir e comer). Ah, e é adotado por grande parcela das culturas não urbanas em todos os continentes.

* Dormir: Pode parecer que não, mas bebezinhos dormem muito (passam em torno de dois terços do dia dormindo!). E não adianta tentar impor uma rotina a um recém-nascido; seu cérebro não está capacitado para esse tipo de lição e, por estar em rápido desenvolvimento, o melhor é deixar o cérebro dele ditar a hora do sono. Pessoalmente,  não vejo muito sentido em colocar um recém-nascido para dormir num quarto sozinho à noite. Para mim, é uma questão de praticidade: ele vai acordar tanto durante a noite, para mamar ou simplesmente porque isso é o natural para ele, que você só vai se desgastar. Por isso, faça como grande parte da população mundial e leve-o para seu quarto num moisés ou bercinho ou pratique a cama compartilhada, colocando-o para dormir com você. [Não, não é perigoso; saiba mais no seguinte post]

Um berço que fica na lateral da cama do casal faz sentido, não?

* Comer: No útero, recebendo nutrientes via o cordão umbilical, seu bebê não tinha horário para comer. Tentar impor uma rotina quando ele nasce pode até ser bom para você – e se funcionar, ótimo!- mas definitivamente não é natural para o bebê, que tem seu próprio ritmo. Como seu cérebro primitivo está a todo vapor, ele está “programado” para fazer de tudo para satisfazer sua fome – primeiro com sinais sutis (virando a cabeça, mexendo a boquinha) e depois de maneira mais óbvia (chorando, berrando, urrando). E uma coisa é certa: o bebê não vai morrer de fome se você deixá-lo à vontade para mamar quando quiser. Praticar a amamentação em livre demanda (sem a ditadura do relógio) pode ser uma solução para tornar as mamadas menos estressantes e mais bem-sucedidas para vocês dois. Sem contar que ajuda muito na produção do leite!

* Barulho: Engana-se quem acha que o útero é um lugar silencioso. Sons de todos os tipos passam pelas paredes do útero (nem queira imaginar!). Por isso, bebês gostam de barulhos repetitivos, como o som de um secador, aspirador, rádio sem sinal ou o som que todos nós fazemos institivamente para calar um bebê chorão (sh…). Também vale a pena acrescentar que o som favorito dos bebês (sim, foi estudado!) é o som da voz de sua mãe. Então solte a língua!

* Movimento: De novo, o comportamento institivo de balançar o bebê tem a ver com reproduzir sua vida intrauterina. Mais um motivo para investir num sling e sair para fazer uma caminhada, dançar (devagarinho, claro) ou simplesmente fazer as tarefas da casa.

Vale frisar, para concluir, que essas não são regras e sim sugestões. Podem funcionar para você e para o bebê. Ou não. Mas lembre-se: o bebê humano pode até se adaptar a uma rotina rígida de mamadas e sonecas, e pode até ficar tranquilo sozinho por horas a fio, mas ele não evoluiu para isso. Portanto, não espere isso dele e tenha compaixão por suas necessidades, mesmo que pareçam impossíveis de satisfazer às vezes.

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O nascimento (do ponto de vista do sujeito)

nascimento narrado pelo bebêGramática nunca foi o meu forte. Mas o conceito de objeto e sujeito foi fácil de entender. O sujeito é quem faz, quem age; o objeto é passivo, quem recebe a ação. Vamos levar esse aprendizado para a sala de parto. Quem nasce? O bebê, claro! E, pelo menos num parto natural, quem executa a ação do nascimento – quem se desliza, gira, emerge – é o bebê. E as exclamações no momento emocionante em que sai o corpinho deixam isso claro: “ela/ele nasceu!”

Infelizmente, nessa sociedade imediatista, isso foi se perdendo de vista. Sobretudo com a assistência ao parto cada vez mais padronizada e tecnocêntrica, o bebê é tratado como um objeto, o produto de um evento regido pela equipe médica. É o médico quem sabe (após dezenas de ultras, cardiotocos e exames) quando seu produto, quer dizer, o bebê, está pronto: “Mãezinha, o bebê já tá com 38 semanas; ele tá prontinho para nascer! Vamos marcar a cesárea?”. Alguns médicos apelam para a tática do medo: “Olha, sua placenta já está Grau 3, sinal de que está madura [OU: você está com pouco/ muito líquido]. Vamos retirar esse bebê antes que alguma coisa aconteça?” Em ambos os casos, fica claro que o bebê não passa de um objeto – um objeto muito precioso e delicado, sem dúvida – mas um mero objeto de cena nessa produção chamada “Nascimento”. Mesmo quando se fala em parto normal, fica parecendo que só a mãe tem a ganhar, com a recuperação mais tranquila etc. No entanto, bebê também se beneficia do parto, já que a cesárea implica em riscos aumentados para ele: de prematuridade, de desconforto respiratório, alergias, asma, obesidade e amamentação reduzida.

Como nos mostrou a gramática, esse entendimento do parto como um evento independente do bebê ignora um fato inegável: o bebê é o sujeito e não o objeto de seu nascimento. E é por isso que eu quis fazer esse exercício de descrever o nascimento sob o ponto de vista dele. Bora lá.

Num parto fisiológico, acompanhado por uma equipe que intervem somente quando necessário (ou seja, o mínimo possível), a mulher entra em trabalho de parto após receber um sinal enviado pelo bebê. Não há um consenso se o sinal vem de substâncias produzidas pelo pulmão ou pelas glândulas renais do bebê (ou talvez ambos), mas é fato que o primeiro sinal responsável pelo desencadeamento ou liberação dos hormônios do parto vem do bebê. É ele quem diz que está pronto para nascer (podendo estar com 38, 40, 42 semanas ou até mais); o cérebro da mãe simplesmente capta esse sinal e responde.

A primeira parte do trabalho de parto – chamada de pródromos ou fase latente – é lenta, e o bebê não participa ativamente. Se for muito sensível, sente como um abraço as contrações ainda fracas e, por hora, espaçadas do útero, acolchoadas pela água que o cerca. Com sorte, ele está de cabeça virada para baixo, com as costas viradas para o umbigo da mãe, na posição mais favorável para iniciar sua descida sinuosa pelo canal de parto  (mas, se não estiver, tudo bem também, pois ele é esperto, é capaz, e sua mãe escolheu bem a equipe caso precise mudar de posição ou de receber alguma intervenção). Como um atleta prestes a dar um mergulho, o bebê aperta o queixo em direção ao peito.

Na fase ativa, em que o útero de sua mãe trabalha com toda a força para afinar e abrir o colo (saída do útero), é capaz de o bebê sentir os abraços com mais força e, quem sabe, começar a contribuir para que a abertura aumente. Com sua cabeça, ele faz pressão no colo, ajudando-o a se abrir, e isso acontece com mais eficácia ainda após o rompimento (espontâneo) da bolsa – embora tenha bebê que prefira nascer empelicado, todo envolto na bolsa que o protegeu a gestação inteira. Com essas contrações fortes o apertando de forma nova e, talvez, assustadora, é possível que seus batimentos fiquem alterados, como se fosse uma grande montanha russa, cujo fim é uma incógnita (a equipe ficará de olho nisso, prontos para agir caso haja algum risco). Não podemos afirmar com segurança, mas quem sabe esse momento de tensão e de medo não seja a primeira lição que o bebê aprende sobre sua competência e sua força para superar adversidades?

Finalmente, os músculos do útero conseguiram: o colo encontra-se totalmente dilatado, abre-se o canal, e o bebê, literalmente, enxerga uma luz no fim de túnel. Pode ser que tudo pare nesse instante. Como se enfim, com o caminho livre, batesse um medo de passar para o outro lado: o que será que encontrará lá? Um mundo frio, hostil e estranho ou um lugar quente e seguro, não muito diferente de seu antigo lar, só que muito mais interessante? Talvez ele, e sua mãe, precisem de um tempinho para reunir a força e a coragem de atravessar, enfim, esse portal.

Passando para a segunda fase do trabalho de parto – a expulsão – o bebê desce ainda mais, e faz movimentos para facilitar a passagem pelo canal de parto, que tem como sustentação os ossos da bacia (em formato oval) e os músculos e tecidos macios do períneo (assoalho pélvico). Se sua mãe estiver sendo bem atendida, numa posição confortável, com liberdade de movimento e sem receber ordens de fazer força, a ação do útero, a gravidade e o saber instintivo mãe-e-bebê contribuirão para que ele vá descendo e girando – lentamente, com possíveis sobes e desces – esticando com cuidado o períneo elástico da mãe. A pressão do canal de parto, quente e seguro, mas talvez um tanto desconfortável para o pequenino, ajuda a apertar seus pulmões, para que o líquido seja expelido, o que facilitará a sua primeira respiração. A adrenalina liberada pela mãe começa a agir, impulsionando-o a terminar o percurso. Nessa decida pelos tecidos da mãe, além de expelir o líquido obsoleto do pulmões, o bebê ingere bactérias benéficas, que em seguida colonizarão seu intestino, contribuindo (e muito) para uma flora intestinal saudável e eficiente.

É um percurso difícil e desafiador, mas ele consegue e, enfim, emerge – talvez aos poucos, necessitando algumas contrações para sair de fato, talvez de uma vez só, de supetão. Mãos quentes o recepcionam. Ele está acordado e alerta, apesar do medo. Roxinho, amassadinho e gosmento, ele é colocado no ventre da mãe. É um susto, uma emoção e tanto, mas ele reconhece o cheiro, o calor, a voz. Recebe ainda o sangue oxigenado da placenta, mas já se acostuma, aos poucos, como o ar e o novo meio que o cerca. Alguém o cobre com uma manta macia e aos poucos, no corpo quente da mãe, próximo dos seios que o nutrirão, ele percebe que, apesar de estar em outro planeta, ele chegou, enfim, em casa.

Esse pequeno ser humano conseguiu! Embarcou numa viagem, trabalhou, persistiu. Pode ser que tenha passado, literalmente, por alguns apertos (hehe), mas foi vitorioso. E, no futuro, ele poderá dizer com orgulho que teve a sorte e a benção de ter sido um sujeito no próprio nascimento.

"Conseguimos, né, mamãe?" - (C) Jennifer Kellner Photography

“Conseguimos, né, mamãe?” – (C) Jennifer Kellner Photography

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