Agora que você já sabe que o “diagnóstico” de pouco leite é balela (na grande maioria dos casos) e que o leite artificial não deve ser a primeira opção caso você precise ou queira complementar, quero falar sobre duas crendices populares que podem não ter surgido diretamente das empresas de leite, mas que contribuem para diminuir os índices de aleitamento materno. Resolvi incluí-los por que acho que precisamos nos conscientizar de sua existência para, só assim, combatê-los.
Mentira #3: Amamentar faz o peito cair
Um dos mitos mais enraizados sobre a amamentação costuma aparecer em comentários inocentes, tipo: “depois de amamentar 3 filhos, meu peito nunca mais foi o mesmo” ou “fulana amamentou e depois teve que colocar silicone”. A amamentação não faz o peito cair. O que faz o peito cair é a gravidade e, acredite, a gravidez. O crescimento das mamas, as mudanças hormonais e a predisposição genética (além do Tempo, claro!) são os culpados pela mudança na aparência dos seios. Até os cirurgiões plásticos já reconheceram isso!
Mentira #4: Quem pode se dar o luxo de escolher escolhe a mamadeira (versão politicamente correta de “amamentar é coisa de pobre”)
A indústria que produz leite artificial existe há mais de um século e está mais forte do que nunca. A urbanização gerou melhores sistemas de esgoto e água, as condições de higiene melhoraram, e os antibióticos e tratamentos para controlar doenças estão cada dia mais eficazes, contribuindo para uma crescente segurança para usuários do LA. Ou seja, a fórmula pode piorar a saúde de uma criança, mas dificilmente irá matá-la. Com isso, a verdade é que amamentar tornou-se “opcional”. Mas quem disse que é a opção menos atraente?
Vou dar o meu pitaco. Nesse mundo cada vez mais “tecnocêntrico”, onde produção, consumo e o acúmulo de bens são supremos, amamentar se tornou sinônimo de “antiquado” ou “primitivo”; chique e moderno é dar mamadeira. Isso é cultural e vai além da recente e crescente “masculinização” dos nossos valores. As raízes da crença irracional de que não amamentar é sinônimo de status estão nas práticas da antiga aristocracia, que delegava a alimentação de seus bebês para as amas de leite. O motivo dessa terceirização é complexo: por um lado, existiam crenças de que o sêmen contaminava o leite (ou seja, era proibido ter relações sexuais) e, as mulheres em condição de “servas do marido”, não podiam deixar os maridos “na mão” (literalmente!). Por outro lado, havia uma necessidade de gerar muitos herdeiros, e a amamentação exclusiva e prolongada reduzia a fecundidade. E assim, como é de praxe em toda cultura, o que antigamente era uma prática da elite virou “moda” e “desejo” das classes mais baixas.
Felizmente, a onda agora é outra: celebridades globais, modelos, atrizes, cantoras e princesas amamentam e se encarregam de levantar a bandeira da amamentação. Quem disse que amamentar é coisa de pobre, ou de hippie, ou de quem não tem escolha?
Bom, agora que já ficou nítido que o maior empecilho para a amamentação é a falta de informação confiável – em parte, por causa da força da indústria de LA, dos pediatras coniventes e dos mitos e crendices da sociedade como um todo – o que você pode fazer, efetivamente, para aumentar as chances de não cair na armadilha da “necessidade de complementação” e se tornar cliente dessas empresas?
10 dicas para aumentar as chances de amamentar exclusivamente até os primeiros 6 meses
1. No final da gravidez, faça uma aula de amamentação, conheça o básico do processo, assista a vídeos instrutivos e comece a se preparar física e emocionalmente para amamentar um recém-nascido.
2. Encontre um pediatra favorável ao aleitamento materno exclusivo. Converse com ele ou ela antes de o seu filho nascer, para ver qual é sua filosofia. Preste atenção em qualquer folheto ou brinde (caderno, lápis etc) com o logo de alguma empresa. Isso não é um bom sinal.
3. Não autorize o uso de complemento na maternidade. O leite demora mesmo a descer – 3 dias, aproximadamente – e a natureza é sábia. Ofereça o colostro e coloque o neném para mamar sempre que ele desejar (ou de acordo com a orientação da enfermeira ou da consultora). Sugiro também não marcar o seu parto. O ideal é parir naturalmente, mas, se não for essa sua preferência ou se não for possível, evite agendar a cesárea e entre em trabalho de parto. Isso aumenta as chances de o bebê estar em condições de sugar.
4. Proteja-se dos palpiteiros (mãe, sogra, tias, amigas) com informações embasadas e apoio de pessoas que acreditam na sua causa- de preferência “especialistas” (médicos, cientistas, OMS, consultor de amamentação). [Prometo escrever um manual sobre como se proteger dos palpiteiros de plantão em breve]
5. Se você faz o tipo consumista (como eu!), vá às compras e procure sutiãs, chás, blusas e produtos próprios para a amamentação. Não compre mamadeiras nem, obviamente, leite artificial.
6. Se o seu recém-nascido não estiver ganhando peso, entre em contato com um banco de leite da sua cidade e faça a complementação com sonda, para continuar a estimular a sua produção.
7. Saiba que é normal ter dificuldades no início. Tem mulher que acha tudo moleza; a maioria não. Se você pertence a essa segunda classe, não se desespere: com o apoio certo, uma boa dose de paciência e talvez um empurrãozinho da medicina, vai acabar engrenando. E quando isso acontecer, você terá muito orgulho de si.
8. Se você for voltar ao trabalho antes de o neném completar os 6 meses, invista numa bomba para tirar o leite e programe-se para tirar o leite no mês (ou meses) anteriores à sua volta. E não pare de amamentar: você pode continuar a oferecer o peito de manhã, na hora do almoço (se possível), quando voltar do trabalho e à noitinha.
9. Fique o máximo de tempo possível com o seu bebê no colo ou no sling. Isso aumenta o vínculo, a ocitocina e a produção de leite.
10. Trabalhe os seus demônios ; aprenda a perder a neura de amamentar em público, permita-se sentir prazer na hora das mamadas e reflita sobre quaisquer emoções que podem estar te travando ou incomodando.
Para resumir: Amamentar é um processo fisiológico e instintivo, mas vivemos numa sociedade em que muitas forças atuam para impossibilitar o que é natural e saudável. Se queremos mesmo praticar a amamentação exclusiva, é preciso abrir os olhos para as armadilhas e nos proteger do marketing desleal, do corporativismo, dos mitos e das “boas intenções” de quem não entende do assunto. Espero que essa série de posts tenha contribuído, de alguma forma, para esse despertar.
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