Arquivo da tag: médico cesarista

Sete razões para não marcar o seu parto

Compreendo a opção pela cesárea; entendo de onde vem o receio de parir um bebê, sei da falta de informação e de apoio (do médico, da família, da sociedade) ao parto normal e me conformei com a visão vigente de que a via cirúrgica é uma alternativa aceitável. O que não entendo e não vou aceitar nunca é a banalização das cirurgias agendadas sem indicação, às vezes com 36 semanas, como no caso de uma amiga virtual de Facebook, que revelou seu desespero ao saber que sua cunhada, por sugestão do obstetra, havia agendado sua cesária para antes das 37 semanas. Essa criança provavelmente nascerá prematura, precisará passar tempo na UTI neonatal, terá dificuldades iniciando a amamentação, receberá complemento… Enfim, sua vida não terá um começo fácil. O mais triste é que tudo poderia ter sido evitado se seus pais tivessem esperado sua hora de nascer.

Abaixo, ofereço sete motivos para você esperar os primeiros sinais de que o seu bebê esteja pronto para vir ao mundo ao invés de cair no conto do vigário (ou seja, do “lobo cesarista”) e marcar uma cesárea “de emergência” para daqui a uma semana (isso não é emergência – é conveniência, tá?).

1. Saúde

A saúde sempre vem em primeiro lugar, não é mesmo? Toda mãe deseja, antes de mais nada, que o filho seja saudável. Todo obstetra se orgulha em dizer que preza pela saúde do bebê (muitos até usam isso como desculpa para desencorajar o parto normal, o que é uma ignorância e uma covardia sem tamanho, mas isso é outra história). A literatura médica é categórica: cesáreas eletivas feitas antes de completar 39 ou 40 semanas aumentam significativamente (entre 300 e 500%) o risco de problemas de saúde no bebê, especialmente respiratórios (que podem persistir durante toda a infância), mas também de icterícia (que dá ao recém-nascido um aspecto amarelado e está relacionado ao acúmulo de bilirrubina no sangue) e dificuldades para amamentar. Para todo bebê que nasceu “sem sequelas” numa cesárea de 37 semanas (que não é considerado prematuro, mas que poderia ter ido até 40, 41 ou 42 semanas – ou seja, é sim pré-termo), há vários que precisaram ficar “em observação” por dificuldades respiratórias ou foram receitados complemento no berçário ou receberam fototerapia por icterícia, e achamos isso “normal” porque, infelizmente, a prematuridade tardia (entre 34 e  36 semanas +6 dias) e o a termo precoce (entre 37 e 39 semanas) se tornaram comuns na nossa sociedade. Porém as evidências demonstram algo inconveniente: os males de saúde aumentaram depois que nós começamos a adiantar o nascimento dos nossos filhos. O que me leva, necessariamente, ao próximo ponto.

2. Ética

Clamamos por um mundo com muito mais ética. Demandamos isso dos políticos e dos empresários, mas, por alguma razão, simplesmente acreditamos piamente na ética do nosso médico. De certo modo, faz sentido. Afinal, o médico é alguém que escolheu preservar e proteger a vida e, teoricamente, por uma causa nobre. Fez o milenar juramento hipocrático, onde promete “não causar dano ou mal a alguém”. A verdade, pelo menos na obstetrícia, não é bem assim. A prematuridade iatrogênica (causada pelo procedimento médico em si – ou seja, por partos agendados) está aumentando assustadoramente. É por causa dela que os índices de prematuridade são muito maiores nas regiões sul e sudeste (curiosamente, aonde tem mais cesáreas). Infelizmente, a lei do mercado se sobrepôs ao juramento de não fazer mal, e muitos médicos (não todos, mas muitos) –  para maximizarem seus rendimentos e não precisarem acordar de madrugada nem deixar de viajar no feriado – agendam partos na 37a semana, mesmo conhecendo as estatísticas acima. Há uma falta de punição para esse tipo de comportamento e, portanto, cada vez mais profissionais agem desta maneira condenável. Se você acredita na ética e no que é correto, você pode ajudar o seu médico a não desrespeitar o juramento que fez e não concordar em marcar uma cesárea antes da data. E lembre-se: mesmo que 37 semanas não seja considerado prematuro, a não ser que você tenha feito tratamento para engravidar e saiba exatamente o dia em que ovulou e/ou engravidou, a idade gestacional do seu filho é meramente uma estimativa. Uma gestação a termo é 40-42 semanas (somente depois de 42 semanas é que o bebê é considerado pós-termo).

3. Respeito

Como relatei no post O nascimento, do ponto de vista do sujeito, o bebê não é um mero produto do parto, mas um agente ativo. É ele quem envia os sinais para o cérebro da mãe, assim desencadeando trabalho de parto. O anúncio (ao lado) da ONG americana March of Dimes, instituição empenhada em melhorar a saúde materna e infantil, mostra claramente que algumas semanas fazem uma diferença enorme no desenvolvimento do cérebro fetal. Portanto, fica claro que agendar o parto é desrespeitar a fisiologia do bebê. Sem contar que, muitas vezes, na hora da cirurgia o bebê está dormindo, totalmente despreparado para “ser nascido”, e, assim, o nascimento se torna um choque e, ao meu ver, uma agressão. Você quer que o primeiro contato do seu filho amado com o mundo fora de você seja assim, um susto e possivelmente um trauma? Não é melhor respeitar o tempo dele e deixar que os abraços (contrações) do seu útero o preparem para nascer, mesmo que seja via abdominal?

4. Amor

Você já ouviu falar na ocitocina? Também conhecido como “o hormônio do amor”, a ocitocina é uma das substâncias responsáveis pela sensação de conexão, confiança e empatia. O orgasmo depende da liberação desse hormônio e a amamentação também, mas a maior concentração sanguínea do hormônio do amor na vida de uma mulher ocorre durante o trabalho de parto. Não é incrível? Estima-se que essa é a razão pela qual mulheres que parem naturalmente alegam sentir uma ligação profunda e imediata com o filho (um amor instantâneo) enquanto muitas mulheres que não tiveram esse privilégio admitem que a amor visceral pelo filho foi construído. Calma – não estou dizendo que quem tem parto normal ama mais o filho, por favor! O amor é muito mais do que simplesmente hormônios – é social, espiritual e um esforço diário – mas passar pelo trabalho de parto e sentir pelo menos uma fração dessas substâncias prazerosas e incríveis circulando pelo corpo deve ser o máximo. E pode tornar o conturbado período pós-parto um pouco mais ameno.

5. Paciência

A paciência é uma virtude que está se perdendo. Hoje em dia tudo é urgente, é “pra agora”, e a pressa é quase universal. Até quando estamos entre compromissos, no trânsito ou no metrô, sentimos uma pressão por estar “produzindo” – checando emails no smartphone, lendo jornal, resolvendo um problema no telefone… (In)Felizmente, um bebê chega para mudar tudo isso. Crianças requerem paciência. Elas têm o próprio ritmo e tempo, e testam nossa paciência constantemente, seja com suas constantes necessidades (mamadas, fraldas, choros) ou no processo natural de aprendizado (já reparou como precisam repetir tudo infinitas vezes?). Portanto, ter a paciência para esperar a hora de seu filho nascer, conforme manda a natureza e a fisiologia, pode ser uma boa forma de se acostumar com sua nova realidade como mãe – uma realidade onde a paciência será imprescindível para a sua felicidade e sanidade.

6. Espírito de aventura

Eu adoro ouvir a história de como nasci. Minha mãe acordou de madrugada toda molhada, sentindo somente “umas cólicas” e achando que tivesse feito xixi na cama. Precisou ser convencida pela sogra de que estava em trabalho de parto e que a bolsa havia rompido. Chegou no hosptial com 8 cm de dilatação e pariu algumas horas depois. Deve ter sido uma aventura e tanto! Pessoalmente, acho triste que a grande maioria das crianças sendo nascidas hoje teve essa primeira aventura “roubada” – e suas mães também! As mães não vão deixar uma plateia inteira na expectativa, com cara de “quero mais”, ao contarem como sentiram as primeiras contrações, a dúvida de estarem ou não em trabalho de parto, a saída do tampão, o frio na barriga ao perceberem que chegou a hora, os telefonemas de madrugada, o taxista/marido nervoso… Elementos de uma verdadeira história de ação! Quando a geração de hoje perguntar  como foi seu nascimento, vai ouvir que o parto foi marcado para o dia tal na hora tal e que ponto final. Pode me chamar de romântica, mas eu encaro a vida como uma grande aventura e da mesma forma que não escolhemos o dia da nossa morte, acho que ao escolherem para nós o dia do nascimento, roubamos um pouco da magia de viver. Deixe o seu filho embarcar nessa vida com o espírito de aventura que ele precisará para aproveitar ao máximo sua temporada aqui na terra.

7. Paz

Tem gente que diz que quando nasce um mãe, nasce junto a mãe culpada, sempre se perguntando se está fazendo o certo, cheia de ansiedades sobre a saúde e bem estar do filhote, com mil e uma perguntas para fazer ao pediatra, à sua mãe, às amigas (íntimas e virtuais)… Tudo isso é normal. A insegurança, as dúvidas e os questionamentos fazem parte do processo. Mas o nível pode ser tolerável ou patológico. Quando você adentra a maternidade impondo conveniências alheias ao processo, negando a seu filho o direito de determinar a hora certa para ele, você já começa “brincando com fogo”, mexendo num processo natural e aumentando o risco de ter problemas mais na frente. Você quer acrescentar mais essa culpa? Não é simplesmente mais fácil respeitar a infinita sabedora desse processo milenar e aguardar, paciente e respeitosamente, o dia e a hora que o destino lhe reservou para dar a luz?

Como você pode ver, numa gravidez normal, de um bebê saudável, o melhor mesmo é esperar a hora “P” chegar. Seu médico pode alegar várias coisas – placenta grau 3, feto macrossómico (grande), cordão enrolado, pressão alta (sem pré-eclampsia), cesárea prévia: nada disso é indicação de cesárea, muito menos de cesárea agendada. Exceto em casos de pré-eclampsia, placenta prévia, placenta abrupta e outras (poucas) ocorrências emergenciais, qualquer cesárea pode ser feita durante o trabalho de parto, com melhores resultados para a saúde do bebê.  Enfim, esperar o trabalho de parto é muito mais do que “simplesemente” mais seguro. É sinônimo das virtudes acima: saúde, ética, respeito, amor, paciência, espírito de aventura e paz.

Publicidade

166 Comentários

Arquivado em Uncategorized

A mãezinha da capa vermelha: um conto de fadas

Era um vez uma futura mãezinha, linda e barriguda, levando em sua cestinha perguntas para a vovozinha. Sua avó era uma sábia anciã, que havia parido 10 filhos em casa, com parteira, e ajudara a trazer ao mundo seus 27 netos. A futura mãezinha estava grávida do primeiro bisneto da anciã e tinha certeza de que poderia contar com a sua avó para controlar seus medos e ansiedades.  Sabia que suas dúvidas seriam ouvidas com carinho e que poderia encher sua cestinha com dicas de como se preparar física e emocionalmente para o dia em que traria seu filho ao mundo. Mal sabia ela, a jovem mãezinha, que o lobo mau estava à espreita.

(c) Jessie Wilcox Smith

O lobo mau era o dono do pedaço. Dominava todos os bichos da floresta com sua astúcia e sua força. Gozava de muitos privilégios por ser o bicho mais poderoso da floresta. Mas a vovozinha era uma pedra em seu sapato; ela por si só até que era inofensiva, mas seu estilo de vida não era o que o lobo queria para sua floresta, que estava aos poucos ficando do jeito que gostava: ordenada, previsível, vigiada. No casebre da anciã, as flores cresciam sem a menor lógica, as ervas daninhas não eram extraídas com a devida diligência e o fogão ainda era a lenha. Tudo muito antigo e primitiva, segundo o lobo. A velha também não comparecia às reuniões promovidas por ele; às vezes, ignorava seus avisos, mostrando-se resistente ao novo visual, limpo, moderno e avançado, que ele queria dar à floresta. Estava na hora de ensinar a ela uma lição.

O lobo foi à casa dela e, sabendo da visita semanal da  sua neta grávida, aproveitou-se da ingenuidade da velha para lhe dar uma paulada na nuca, escondê-la no armário, e começar seu teatrinho. Sentiu um frio na barriga e uma descarga de adrenalina. A verdade é que o lobo gostava do poder, mas gostava também de se fantasiar – de ovelha ou de vovózinha, não importava. Vestiu as roupas da velha, colocou a touquinha na cabeça e tratou de relaxar seus músculos e suavizar o seu olhar para ficar com cara de bonzinho.

A mãezinha apareceu, ansiosa e sem fôlego, e foi logo ao assunto.

“Ai, vó, estou tão cansada! Essa barriga pesada, as pessoas toda hora me ligando, perguntando se já nasceu… Não aguento mais,” desabafou.

“Minha filha,” começou o lobo, em tom compassivo, “não se cobra tanto. Hoje em dia, ninguém precisa mais passar por isso. Por que você não marca logo a cesárea como fizeram suas amigas?”

“Mas, vó,” protestou a jovem, “até parece que a senhora não ouviu nada do que eu disse esses meses todos. Eu quero parto normal!”

“Sim, filhinha,” disse o lobo, alisando as orelhas. “Mas o neném já tá prontinho, o quartinho também, as roupinhas lavadas e passadas. O médico não disse que já podia nascer? Hoje em dia a cesárea é super segura, pra quê tentar o normal?”

“Vó, não estou te reconhecendo. A senhora não vê que isso é papo de médico, só por que é mais conveniente para eles? Eu sei dos benefícios do parto normal e prefiro esperar.”

O lobo esfregou os olhos. Tentou uma nova estratégia.

“Tudo bem, minha filha. Você pode tentar. Mas saiba que na nossa família, as mulheres têm a bacia muito estreita. E os bebês  hoje em dia são imensos. Na hora, não fique chateada se você não tiver passagem.”

Isso foi demais para a mãezinha da capa vermelha. Ela tinha lido os livros certos e frequentado grupos de apoio: sabia que isso não passava de uma tática para meter medo nas mulheres. Definitivamente, algo não cheirava bem.

“Não, não e não!” gritou ela, assustando o lobo. “Eu sei que todas as mulheres da família tiveram parto normal, caso contrário, não estaríamos aqui hoje. Sinto, do fundo do coração, que eu também serei capaz de parir. E vejo que você não é quem você diz.”

“Calma, mãezinha,” tentou o lobo. “Eu só quero o melhor para você. Posso te oferecer o melhor da tecnologia e da ciência. Um parto rápido, limpo, planejado e sem dor.”

Finalmente, o lobo mostrou as garras: era mesmo um lobo cesarista, como ela suspeitara.

“Dr. Lobo,” disse a futura mãe, em alto e bom tom. “Você me subestimou. Achou que eu era mais uma mãezinha mal informada e ingênua. Mas, dessa vez, doutor, quem se enganou foi você. Eu sou a mulher da capa vermelha, sou guerreira – luto para conseguir o que eu quero – e eu vou parir o meu filho.”

E com isso, abriu as portas do armário, segurou sua vózinha com firmeza e saiu da floresta do lobo.

11 Comentários

Arquivado em Uncategorized