Duas semanas atrás, uma amiga muito querida (grávida de sete meses) e seu marido (que carinhosamente apelidei de “superdaddy”) fizeram uma visita guiada pela mais moderna e brilhante maternidade privada do Rio. Ao contrário do que você imaginaria em se tratando de tão requisitada instituição, saíram de lá com uma péssima impressão.
“Senti como se qualquer coisa fosse mais importante (a decoração do quarto, as visitas, as fotos, blá blá blá) do que o motivo para se estar ali: parir. Não conseguimos conhecer a sala de parto, mas fomos apresentados a uma hospedagem como se estivéssemos procurando um hotel!”, desabafou minha amiga. Superdaddy teve a nítida sensação de que, para conseguirem o parto e o nascimento que desejam – natural, humanizado, respeitoso -, precisarão lutar por isso com unhas e dentes. (Ele está certíssimo, infelizmente)
A julgar pela visita deles, as mulheres que buscam os serviços da Perinatal (e de outras maternidades privadas) querem mesmo manicure, escova, maquiagem, luzes, câmera e ação! Apesar das campanhas do Ministério da Saúde, das indicações da OMS e da preferência expressa por várias mulheres (famosas e plebeias), as maternidades parecem achar que o que importa para nós são as futilidades e os adornos, e não a experiência de dar a luz aos nossos bebês.
Mas será que é isso mesmo? Será que nós mulheres, no momento mais transformador de nossas vidas, queremos só perfumaria, frufrus e falsas promessas de “humanização”?
Eu acredito que não. Acredito que queremos o melhor para nossos filhos. Infelizmente, nem todas nós sabemos o que isso significa. E é aí que as maternidades particulares nos deixam na mão. Porque, na condição de instituições de saúde (e não casas de show, hotéis ou fábricas de bebês), as maternidades deveriam nos direcionar para as melhores práticas em saúde e não para supérfluos que nada têm a ver com a saúde do par mãe-bebê.
No entanto, baseado em relatos de conhecidos (“Me senti em um hotel, em um fast food de bebês!” disse outra amiga) e da maioria dos famosos (como o caso recente da celebridade que “tentou”, mas acabou caindo na cesárea nesse mesmo hospital), o interesse das maternidades não é nas melhores práticas. O modelo de negócios é mais parecido com a fábrica de pães mesmo. Disfarçada de hotel 5 estrelas, claro.
É uma simples questão de grana (lógico! poderia ser de outra coisa? saúde, ética, medicina baseada em evidências – não, esses “detalhes” não entram na conta das maternidades privadas brasileiras). Será que estou sendo cínica ou irônica demais?
Vou provar que não. Primeiro, os números: os hospitais e maternidades privados têm taxas de cesáreas que beiram ou até superam os 90%. Grande parte dessas cirurgias são agendadas (ou seja, feitas fora do trabalho de parto) – para conveniência da equipe médica e também da instituição, que pode encaixar todas as pacientes na sua “linha de produção padrão” (e, de quebra, possivelmente lucrar com os dias que o bebê tirado prematuramente ficará na UTI neonatal). As experiências de pessoas aguardando a chegada do bebê no berçário me lembram muito a espera de uma pizza num restaurante (“já saíram dois bebês, será que o próximo é o fulaninho?”). Em contrapartida, a paciente de parto normal é duplamente “ruim” para os negócios; ela não só ocupa a sala de parto por mais tempo, como também fica internada por menos tempo. Claro que isso seria facilmente resolvido com salas de PPP (pré-parto, parto e puerpério), mas isso é outra história!
Agora vamos às evidências menos tangíveis. O site da Perinatal tem uma ficha de pré-internação para agilizar o processo para as futuras famílias. Mas – saca só – a ficha só tem duas opções: “cirurgia de emergência” e “cirurgia eletiva”(cadê o parto normal? oops! #fail).
As maternidades paulistas são ainda mais descaradas. A Pró Matre (89,5% de cesáreas em 2009) diz no site que é “pioneira no conceito de atendimento humanizado” e depois, no parágrafo seguinte, ao descrever sua sala cirúrgica estilo aquário (fazendo do nascimento um espetáculo para ser mostrado e não vivido), deixa escapar que “o visor plasmático permanece opaco durante a cirurgia” (ué, e o parto? pra onde foi? ih, sumiu!). A campeã em cesarianas na capital paulista, a maternidade Santa Joana (93% em 2009), se promove como “uma das melhores maternidades de todo o país” e diz para as futuras clientes que “toda a atenção está voltada para a sua satisfação, a sua segurança e o seu bem estar”. Hm… se a preocupação fosse a satisfação (70% das mulheres desejam o PN), a segurança (ele é 4 vezes mais seguro que a cesárea) ou o bem estar (apresenta menor índice de depressão pós-parto, maior vínculo mãe-bebê pós-parto e maior sucesso na amamentação), não teriam só 7% de partos normais, né não?
E isso é só o parto – não vou nem entrar no atendimento ao recém-nascido! A minha querida amiga teve que “corrigir” o funcionário da Perinatal por mais de três vezes quando ele lhe apresentou o berçário dizendo que era lá que seu bebê ficaria. Ela falou em alojamento conjunto – prática recomendada por praticamente todos os órgãos de saúde (Ministério da Saúde, OMS, AAP) – e ele a fitou como se fosse uma alienígena. Sobre a mesma maternidade, ouvi de uma enfermeira obstétrica: “tivemos dois casos recentes […] em que o pediatra deu alta (sem observação, direto pro quarto) e foi embora. E o berçário sequestrou mesmo assim.” Cadê o respeito? Cadê as melhores práticas? Cadê a humanização?
Parece que as maternidades privadas estão pouco se lixando para isso. Contanto que o dinheiro continue entrando, que os médicos “bonzinhos” sigam fazendo suas cirurgias, e os leitos permaneçam cheios (até mesmo os da UTI neonatal), para eles está ótimo! [e ai de você que pensa que a São José aqui no Rio é melhor – esta consegue ser ainda menos comprometida com os desejos das parturientes, já que não aceita a entrada de doulas e nem tem sala humanizada]
Portanto, acho que a pergunta do início não faz muito sentido. Ela precisa ser invertida: Afinal, mulheres, o que nós queremos das maternidades em que teremos nossos filhos?
Escova e maquiagem? Quarto decorado? Berçário-aquário (com plateia, luzes e câmeras)?
Ou será que temos a coragem de querer e de exigir MAIS do que isso – para o bem de nossos filhos e de nós mesmas?