Se você está grávida, preparando-se para tal ou com um bebezinho novo em casa, é provável que tenha pavor da terrível Cólica (com ‘c’ maiúsculo). Certamente já ouviu histórias horripilantes de bebês aparentemente angelicais que viram monstros depois de uma certa hora, deixando os pais acordados por toda a madrugada enquanto berram e esperneiam. Agora então, com a proibição da funchicórea – aquele fitoterápico que algumas mães consideram “mágico”, mas cuja eficácia não é comprovada – a tal da cólica ficou ainda mais assustadora [antes que você se zangue comigo: não estou defendendo o uso desse “remédio”, só estou informando que agora a funchicória foi proibida pela Anvisa]. Mas vamos começar pelo começo: você sabe o que é de fato a cólica?
Vamos fazer um teste?
Escolha uma das opções. A cólica dos bebês é:
a. Caracterizada por dores abdominais, geralmente causada por gases, azia ou indigestão.
b. Um termo usado para falar de qualquer dor ou incômodo físico que faça o recém-nascido chorar por mais de uma hora por dia.
c. Diagnosticada em casos de bebês que passam no mínimo três horas por dia chorando, no mínimo 3 dias por semana, ao longo de no mínimo três semanas.
d. Um rótulo colocado indiscriminadamente em bebês que choram muito por nenhum motivo aparente.
Se você escolheu a opção a, como dita o senso comum, ERROU. Chocante, não é? A cólica do recém-nascido não tem nada a ver com a nossa cólica e não necessariamente está relacionada a dores abdominais! A resposta b está próxima, mas também é incorreta. A definição oficial de cólica é a opção c: ou seja, cólica é o termo usado para descrever a condição de bebês que choram por três horas ou mais por dia, durante três ou mais dias na semana por um período mínimo de três semanas consecutivas. Mas quantas vezes você já não viu pais de um bebê de duas semanas reclamarem da cólica quando nem deu tempo de observar o bebê por esse tempo todo? Aposto que mais de três vezes – no mínimo ;-)! Por isso, eu tendo a concordar com as pessoas que marcaram a opção d: que o termo “cólica” está sendo usado a torto e a direita para rotular qualquer bebê com um grau de irritação e/ou inquietude acima do desejável, transformando o que é fisiológico (o choro) em patologia (“cólica”).
Resumindo: “cólica” é uma palavra que não explica a origem do problema, e sim descreve um comportamento comum dos recém-nascidos, que aparece geralmente a partir da terceira ou quarta semana de vida e costuma parar por volta dos três ou quatro meses. Portanto, quando pediatras, parentes e conhecidos sugerem mudanças na dieta (em geral, a eliminação de laticínios e condimentos), receitam remédios ou fitoterápicos para aliviar os gases e indicam bolsas de água quente ou massagens para reduzir o desconforto, essas ações não passam de palpites para mudar o comportamento, já que não se sabe a causa do problema, simplesmente o sintoma – isto é, o choro prolongado.
Nunca tive que lidar com um bebê com cólica, então peço desculpas se você, que já passou por isso, está se irritando com esses detalhes teóricos. Imagino que seja realmente desesperador e que qualquer um tentaria DE TUDO para fazer seu amado parar de sofrer – desde remédios com prescrição médica até duvidosos pozinhos com adoçante (a funchicórea contém sacarina). Mas, como minha meta aqui é apresentar uma nova maneira de pensar sobre temas relacionados à maternidade, vou propor uma visão alternativa sobre a cólica baseada em uma observação interessante (que, por acaso, não é nada nova): segundo estudos em recém-nascidos coreianos, iranianos e !kung san (uma tribo africana), bebês de culturas não-ocidentais passam menos tempo chorando (e, portanto, têm menos “cólica”) que bebês ocidentais. Por quê será?
Já que todos tendem a achar que cólica está relacionada ao sistema gastrointestinal, comecemos pelo básico: a alimentação. Bebês em culturas tradicionais não são amamentados seguindo o relógio, mas continuamente, conforme a necessidade. Ou seja, eles não tem horários fixos para mamar e nem são forçados a ficar x minutos em cada seio ou o que quer que seja. A mãe oferece o seio quando o bebê mostra sinais de fome. E pronto. Assim, o bebê mama pouco muitas vezes ao dia (e ao longo da noite). É totalmente plausível que isso seja melhor para seu sistema digestivo ainda imaturo. Quanto ao leite em si, nas culturas asiáticas e africanas – onde foram comprovadas o pouco choro dos bebês – come-se uma dieta variada e condimentada. No entanto, comparado ao Ocidente, consome-se menos laticínios. Portanto, pode ser que o laticínio seja um fator para o desconforto que causa o choro dos bebês. Isso também faz certo sentido do ponto de vista biológico, já que a proteína do leite é conhecidamente alergênica para muita gente (graças a Deus eu escapei dessa, pois amo leite!).
Além da alimentação, tem o cuidado com o recém-nascido como um todo: onde ele passa o tempo quando não está mamando, em que posição fica, por quanto tempo etc. A prática ocidental de deixar bebês longe da mãe – em carrinhos, bebês-confortos, berços, balanços – geralmente deitados não é muito comum no resto do planeta. Primeiro porque requer a compra de “coisas” (carrinho, bebê-conforto, berço, balanço) que não estão disponíveis ou ao alcance das pessoas. Segundo porque esses aparelhos todos não fazem sentido fisiológico: as mulheres por gerações carregaram seus bebês em slings ou deixavam eles nos braços de uma tia, irmã mais velha ou avó e esses hábitos sempre funcionaram. Assim, os bebês não-ocidentais ficam em contato pele a pele com alguém quase sempre, em movimento e, geralmente, verticalizados e embrulhadinhos. Seja por motivos emocionais (a tranquilidade da presença de outro ser humano) ou físicos (menos desconforto fisiológico) – ou ambos! – a consequência seria uma diminuição na frequência de choro e na sua duração.
Fora esses fatores “concretos”, há também o intangível: a atitude das mães e outros cuidadores. Apesar de ter gostado do livro de Laura Gutman, A maternidade e o encontro com a própria sombra (editora Best Seller), não posso dizer que acredito 100% na tese de que o bebê seja um reflexo (ou “a sombra”) de sua mãe – tese esta que colocaria “a culpa” dos males do bebê nas questões psíquicas mal-resolvidas de sua mãe. Faz sentido que o estado emocional da mãe afete o bebê (e vice-versa, óbvio!), mas não acho que necessariamente toda manifestação “anormal” (ou melhor: “indesejável”) no bebê seja um sinal de algo que precisa ser “consertado” na mãe. Por outro lado, uma atitude tranquila e confiante da parte da mãe só pode ajudar, né? E se você já teve a oportunidade de observar mães de culturas não-ocidentais (o documentário Bebês é uma boa pedida!), deve ter percebido que elas parecem ter uma serenidade, uma falta de preocupação ou “frescura” – enfim, uma naturalidade! – invejável. Olha, como antropóloga, tenho que dizer que odeio esse tipo de generalização, mas é fato que nossa geração de mulheres (ocidentais, instruídas, profissionais) tem uma tendência à ansiedade e à preocupação acima da média. Será que isso não pode estar influenciando a “cólica” dos bebês: seja na própria incidência dela ou na percepção de sua existência?
Enfim, ficam as perguntas e a reflexão. Em breve publicarei um post mais prático (e mais curto!): 5 dicas para diminuir o choro (ou a “cólica”) do bebê.