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Série Inspiração: Pais contemporâneos, bebês atemporais, por Meredith Small

Por mais (pós)modernos, urbanos e “antenados” que sejamos, a verdade é que nossos bebês são pré-históricos: biologicamente são iguaizinhos aos bebês que nasceram há 5000 anos. Também são idênticos aos bebês que nascem hoje em países e culturas muito diferentes da nossa. Essa é a tese que gerou um clássico americano, escrito pela antropóloga e professora da Universidade de Cornell Meredith Small, Our Babies, Ourselves (Nossos bebês e nós mesmos), publicado em 1998 pela Achor Books. O trecho de hoje é da conclusão desse livro maravilhoso (nunca editado no Brasil, infelizmente).

Pais contemporâneos, bebês atemporais

Criar filhos é um verdadeiro circo de egos e necessidades, limitações biológicas e expectativas evolutivas, que interagem entre si. Como em tudo na vida, ser pai é também uma série de concessões; não existe uma maneira perfeita, somente uma série de opções, um bando de caminhos possíveis, que direcionam os adultos na entrépida função de criar seus bebês. E é mesmo tão trabalhoso que faz sentido se perguntar por que as pessoas têm filhos afinal. Mas como me apontou Jim McKenna quando comentei sobre o investimento excessivo que os recém-nascidos requerem: “A evolução nunca nos prometeu um mar de rosas”. Nossa natureza envolve passar para frente nossos genes e isso significa pagar o preço que os bebês exigem. Criar filhos é para ser, de fato, muito trabalho, além de cansativo para o organismo adulto, porque é assim que o animal humano foi concebido. Se nós, enquanto pais, aceitarmos essa verdade fundamental – que ter um bebê e criá-lo até a idade adulta significa uma enorme limitação na vida, nos recursos, nos nossos aspectos físico e emocional e, considerando o tamanho da responsabilidade, não é para qualquer um – então estaremos efetivamente alinhados e de acordo com nossa herança evolutiva.

Na interseção dessa verdade fundamental está a saída de emergência da cultura, que nos permite tentar diversas maneiras de adminstrar essa função. A cultura e a tradição fazem parte da nossa flexibilidade, e nos podemos, portanto, mudar as normas da cultura porque somos a cultura. […] Ninguém espera que uma mãe passe a morar numa oca e viva da caça ou da coleta carregando um bebê nas costas. Mas é razoável sugerir que dormir com um bebê faz bem e que não o transformará numa criatura dependente e chorona. Talvez não queiramos alimentar um bebê continuamente como os Khoisan [um grupo étnico africano], mas uma mãe pode certamente decidir reduzir o intervalo entre as mamadas, ou alimentar sem horários fixos se ela quiser. E não existe vergonha alguma em usar o bebê num sling ou carregador em vez de deixá-lo no cercadinho. A cultura não deve ser uma ditadora, mas uma facilitadora.

E todos os pais têm a opção de rever e aceitar ou rejeitar sua bagagem cultural. Por exemplo, pais ocidentais com todas sua sofisticação tecnológica podem tomar decisões pessoais sobre os produtos que os fabricantes lhes empurram na tentativa de facilitar a vida. Trata-se de avaliar esses aparelhos sob um entendimento do bebê informado pela ótica da evolução e diversidade cultural, que nos dá a opção de rejeitar essas supostas inovações se quisermos. Podemos decidir que o cercadinho, quando tem gente disponível para segurar o bebê, não é a melhor opção, ou que usar um bebê conforto para confinar o bebê na sala de estar não é a maneira ideal para ele passar o dia. Podemos escolher reverter a direção da babá eletrônica e deixar que o bebê, sozinho em seu berço, se exponha aos barulhos da família ao invés de excluí-lo do convívio social.

O bebê humano não é meramente um aglomerado do reflexos que se transforma num adulto consciente. Os bebês foram, e continuam sendo, moldados pela evolução para passar pelo canal de parto, para expressar suas necessidades através do choro e da inquietação, e para interagir com o mundo a sua volta. […] É assim que o bebê adentra nesse mundo, mas não é necessariamente assim que o mundo o enxerga. Como os seres humanos demoram tanto para se desenvolverem, há oportunidades, e tempo, de sobra para desencontros e malentendidos ocorrerem enre bebês, cujas necessidades internas o levam a esperar certas coisas, e seus pais, que querem simplesmente seguir em frente com suas vidas. É a famosa faca de dois gumes – a evolução forneceu aos humanos um amplo campo de atuação, porém às vezes não fazemos ideia de como suprir nossas necessidade de forma mais eficiente. Somos destinados a fazer sexo, gerar bebês que contêm nossos genes, e assegurar que eles cheguem à idade para procriarem – este é o plano que a natureza tem para nós. Mas há muita folga no sistema, muito espaço para manobrar, e muitas formas de fazer errar. “A evolução nos deu uma arena em que cuidar de crianças pode ser aprendido”, explica o antropólogo Jim McKenna, “mas não nos diz o que deve ser aprendido, então aprendemos tudo quanto é maluquice sobre os bebês”. […]

Aceitar que os bebês são às vezes um fardo e depois tentar criá-los num estilo que não rompe com a díada pai/mãe-bebê, mas que facilita sim a vida, é o desafio que todos nós enfrentamos. Na maioria das vezes, isso significa confiar no instinto paterno/materno – isto é, o bom sense, que também evoluiu para ser um guia. E os bebês também nos ajudam, com seus braços erguidos, seus sorrisos sapecas, e seu choro e sua irritação, que nos informam se estamos no caminho certo.

*

Se você é leitor do blog, deve ter percebido que as ideias de Meredith Small e de outros adeptos da “etnopediatria” (como Harvey Karp e Jim McKenna) servem como pano de fundo aos posts sobre babywearingexterogestação e cólica. As minhas “primeiras impressões” sobre os valores que norteiam a criação de filhos em vários países também segue um pouco essa linha antropológica…

Mas quero deixar claro que não estou incentivando ninguém a romper com as convenções sociais da nossa cultura ou alegando que tudo o que fazemos é errado. O importante é saber que, com tanta informação disponível hoje sobre as práticas de outros povos e de outros tempos, temos a chance de aumentar nosso leque de opções ao invés de sermos obrigados a repetir, de forma automática e sem senso crítico, as atitudes de nossos amigos e parentes – especialmente se essas escolhas não estiverem alinhadas com o que julgamos ser melhor para nossos filhos nem com as nossas próprias crenças e necessidades. É essa diversidade de opções e liberdade de escolha que eu curto. Para usar as palavras da autora prestigiada:  A cultura não deve ser uma ditadora, mas uma facilitadora. 

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20 dicas para ser uma mãe mais ecológica

Aproveitando o clima da Rio+20 e da Semana do Meio Ambiente, resolvi fazer uma lista de 20 atitudes simples que você pode tomar em prol do planeta, lembrando que se adotar pelo menos uma medida em cada categoria (alimentação, higiene, filosofia de vida, lazer e geral), amanhã já será uma mãe mais ecológica e sustentável do que hoje.

Alimentação
1. Amamente o máximo possível: quanto mais tempo você conseguir amamentar o seu filho, menos gastará com leite industrializado, cujo processo de fabricação utiliza muitos recursos do nosso planeta (veja a dica #3).

2. Evite comida industrializada: eu sei que é prático comprar potinhos de papinha em vez de fazer a própria comida pro seu bebê, mas existem comidas rápidas mais naturais e ecologicamente corretas. As frutas são o fast food perfeito. Você pode descascar e oferecer ou raspar com uma colher antes.

3. Coma menos carne: nossos amigos bovinos (vacas e bois) estão entre os maiores produtores de gás metano, cujo excesso é uma das principais causas do aquecimento global. E grande parte do desmatamento que acontece no Brasil é para abrir espaço para a agropecuária (ou para plantar milho ou soja para o gado consumir). Tudo isso é para criar animais que irão para o abate e depois para nossos pratos. Portanto, tirar a carne do seu cardápio é possivelmente a melhor coisa que você poderá fazer pelo futuro do planeta.

4. Prefira alimentos de origem local: quando você compra frutas e legumes da estação ou produzidos localmente, menos combustível foi usado para transportá-los até o mercado. Portanto, calce o tênis e vá à feira! (aliás, esse também é um programa bacana para levar as crianças)

Higiene
5. Use fraldas de pano: as fraldas de pano consomem menos recursos do que as descartáveis – mesmo levando-se em conta a água para sua lavagem – e hoje em dia são muito práticas, confortáveis e lindas. Se você ainda não conhece as fraldas de pano modernas, não sabe o que está perdendo.

6. Use paninhos laváveis em vez de algodão ou lenços descartáveis: para fazer a higienização do bebê entre as trocas de fralda, considere substituir o algodão ou lenços descartáveis por paninhos umedecidos com uma solução caseira de água, óleo (de amêndoa ou de bebê) e um tiquinho de sabonete líquido neutro. Depois é só jogar na máquina e lavar com suas roupas. Os paninhos podem ser fraldinhas ou retalhos de camisetas velhas. Quer algo mais ecológico do que isso?

7. Elimine os supérfluos: Metade dos itens na prateleira para bebês na farmácia são completamente desnecessários. Seu bebê não precisa de hidratante, perfume e nem de shampoo (muito menos condicionador). Se você usar fraldas de pano, também pode riscar dessa lista as pomadas tipo hipoglós.

8. Corte pela metade a quantidade de produtos de limpeza e higiene pessoal: Mesmo eliminando os supérfluos, você pode ser ainda mais ecológica (e econômica) usando quantidades menores dos produtos que compra. Isso vale especialmente para coisas como pomadas e pastas (faça o teste: passe a usar bem menos, pra você fazer como não faz a menor diferença no resultado), e também para produtos de limpeza da casa (sabão em pó e amaciante em especial).

Filosofia de vida
9. Evite a tentação de dar mimos e presentes para mostrar o seu afeto: Cada produto que você compra aumenta sua pegada ecológica e se você costuma mostrar afeto presenteando o seu filho, você ainda o ensina a ver o consumo como uma atitude de amor. Acredite em mim: eu sofro disso, mas quanto mais eu aprendo sobre ecologia, mais sei o quanto é importante comprar e gastar menos.

10. Valorize o ser e não o ter: de novo, isso tem a ver com o excesso de consumo, que por motivos óbvios está relacionado ao desmatamento, à poluição e diminuição dos recursos naturais. Quando valorizamos atividades e atitudes relacionadas ao ser (experiências, pensamentos, emoções), reduzimos a necessidade de ter (brinquedos, roupas de marca, gadgets).

11. Crie um pequeno consumidor consciente: quem entende a história dos alimentos e itens que consome (sua origem, a cadeia de produção etc.) e de como isso impacta o meio ambiente já está a meio caminho andado de mudar suas práticas. Mas é preciso dizer que isso se aprende pelo exemplo e não só com palavras, então primeiro experimente ser uma consumidora consciente você mesma!

12. Ame e respeite a natureza: só um amor profundo e incondicional por esse nosso incrível planeta será capaz de nos impulsionar a mudar nossos hábitos enraizados. Eu adoro ver documentários tipo Planet Earth e caminhar próximo à natureza para me inspirar a cuidar melhor da nossa terrinha.

Lazer
13. Escolha um dia para ficar sem tecnologia: o mero ato de tirar os aparelhos da tomada reduz o consumo de energia elétrica e um dia sem televisão, videogame e computador pode aproximar a família de um estilo de vida mais simples e, assim, mais ecológico.

14. Plante ervas no quintal, na varanda ou na janela: além de sair da terra para a mesa em segundos, cultivar plantas nos aproxima da natureza e pode fazer com que tenhamos mais cuidado com o planeta. E as crianças adoram as plantinhas!

15. Em aniversários e/ou festinhas, use copos e pratos reutilizáveis: você não precisa usar a própria louça do dia a dia (que quebra), mas uma boa alternativa é comprar copos e pratos de plástico que possam ser reaproveitados, ao invés de comprar aqueles mais baratos que não duram nada.

16. Faça do shopping um lugar para comprar, não para passear: essas “mecas de consumo” servem justamente para isso e não devem ser tratados como entretenimento (veja a dica #10).

Geral
17. Compre menos: eu só passei a levar isso a sério depois de ver o excelente vídeo The Story of Stuff (abaixo). Nada tem um impacto maior do que simplesmente recusar-se a participar do ciclo de desmatamento, poluição e esgotamento de recursos.

18. Reaproveite roupas e acessórios de amigos e parentes: tão óbvio e milenar que dispensa explicações.

19. Doe roupas, brinquedos e objetos que possam ter utilidade para outras famílias: idem

20. Se não der para ser “verde” o tempo todo, seja sustentável pelo menos 50% do tempo: qualquer pequena mudança será benéfica. Não termine de ler isso achando que você não conseguirá ser ecológica porque não está disposta a usar fraldas de pano ou virar vegetariana. Experimente usar fraldas de pano durante o dia, quando seu filho fica em casa, só duas ou três por dia. Escolha um dia para ficar sem carne por semana. E pronto, já estará fazendo uma diferença!

Antes de partir, não deixe de ver o vídeo. Prometo que serão 20 minutos muito bem gastos! (ou melhor, 40, já que você já dedicou os primeiros 20 lendo esse texto)

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Parto domiciliar: o que você deveria saber antes de julgar

O parto domiciliar está na mídia e na boca do povo. Infelizmente, tem muita gente escrevendo sobre o assunto sem o menor embasamento, sem ler um único estudo e sem a menor vontade de compreender o que leva uma mulher a fazer essa opção. Além das menções sensacionalistas e as descaradamente reacionárias, tem gente dizendo asneiras como “o parto em casa está na moda (por causa da Gisele Bündchen)”. Discordo: moda é quando algo está sendo adotado por uma maioria (neste sentido, moda é cesárea agendada). A realidade é muito menos interessante: o parto domiciliar é simplesmente uma opção – milenar, diga-se de passagem – abraçada por um grupo seleto de indivíduos, bem informados e conscientes, que compartilham de uma mesma filosofia.

A intenção deste post é explicar essa filosofia e defender a escolha consciente pelo parto em casa, entendido aqui como um parto conduzido em domicílio, natural (sem uso de drogas para acelerar o trabalho de parto ou anestésicos), na companhia de profissionais treinados (médico, enfermeira obstétrica, obstetriz ou parteira) em que mãe e bebê são considerados de baixo risco (estabelecido no pré-natal).

1. O parto é um evento fisiológico. Sei que isso é óbvio  – até mesmo os manuais de obstetrícia diriam o mesmo -, mas, na prática, a obstetrícia tradicional não respeita muito a fisiologia o parto e, geralmente, um parto hospitalar transforma-se num evento médico, uma oportunidade para submeter a paciente (sim, entrou no hospital e você vira uma doente, mesmo estando comprovadamente saudável o suficiente para gerar uma vida) a uma série de intervenções. Entre elas estão (basicamente em ordem) a tricotomia, a ocitocina sintética, a anestesia, a posição de litotomia, a episiotomia e a manobra de kristeller. Prometo escrever um futuro post sobre parto hospitalar tradicional para quem quer saber o que são essas coisas. No momento, o importante é dizer que o parto domiciliar, por acontecer no território da mulher e por ser acompanhado por profissionais que acreditam na fisiologia do parto, é livre de intervenções desnecessárias. A crença no parto como evento fisiológico se sustenta com base em estudos recentes sobre fisiologia do parto e também no senso comum: afinal, somos animais e não teríamos atingido uma população de 7 bilhões se o parto fosse um evento que necessitasse grandes intervenções médicas.

2. O parto domiciliar assistido e planejado é seguro. Embora a grande mídia ou o seu obstetra afirme o contrário, vários estudos comprovam a segurança do parto em casa. O mais notável é o estudo holandês – que traz dados de quase meio milhão de partos – e dois estudos recentes de 2005 e 2009 corroboram a conclusão de que o parto domiciliar é tão seguro quanto o parto hospitalar, para mães e bebês, e com menos intervenções (desagradáveis) para ambos. O único estudo relevante que traz dados pouco favoráveis ao parto domiciliar foi duramente criticado por publicações de peso como Nature e o The Lancet por causa da metodologia muito suspeita usada para medir a mortalidade perinatal (entre outros “detalhes” metodológicos, eles incluíram casos de partos extra-hospitalares não planejados, como nascimentos a caminho do hospital ou em casa desassistido). Mesmo assim, até esse estudo controverso confirma que, para a mulher, o parto domiciliar tem índices mais favoráveis (mortalidade, morbidade e intervenções) que o parto hospitalar. Vale a pena acrescentar que no parto domiciliar planejado sempre há um plano B e que, em caso da necessidade de transferir para um hospital, a equipe de assistência está preparada para essa eventualidade.

3. A visão tradicional e hegemônica sobre o parto não é necessariamente baseada em evidências científicas. Isso merece um outro post, mas o resumo é: várias práticas médicas vigentes são baseados não em dados científicos comprovando sua validade, mas em “achismo” ou “tradição” ou “ritual”. Isso ajuda a explicar por que os especialistas entrevistados pelos jornais e revistas (todos obstetras) são contra o parto domiciliar. A maioria não leu estudos sobre o assunto (só citam o estudo desfavorável, mencionado acima e ignoram dezenas de pesquisas mostrando o contrário). E pior: a esmagadora maioria dos médicos nem sabe o que é um parto 100% natural, protagonizado pela mulher e pelo bebê com toda a sabedoria milenar do corpo, dos hormônios e do instinto animal de parir. Os médicos treinados em obstetrícia aprendem na faculdade dois tipos de parto: cesárea e parto vaginal com intervenções de rotina. Basta ler um pouco sobre a história da obstetrícia para ver que o conhecimento médico é como grande parte do conhecimento humano: imperfeito, incompleto e totalmente ideológico. Infelizmente, essa ideologia hegemônica é compartilhada pela mídia e pelo povo como um todo. A sorte é que temos neurônios e estudos científicos como os citados anteriormente para pensarmos sobre essa ideologia com olhos críticos.

4. Parir na intimidade do lar permite uma experiência única e muito recompensadora. Veja qualquer vídeo ou leia qualquer relato de um parto realizado em casa e você vai começar a entender por que muitas mulheres alimentam o sonho de parir de forma natural, na presença de pessoas benquistas, num ambiente acolhedor e seguro e familiar,  onde vão se sentir livres para entrar nas posições e fazer os barulhos que bem entendem. Mais uma vez, isso está relacionado ao primeiro ponto (o parto como um evento fisiológico e, vou mais longe, um evento sexual). É impossível não se emocionar com a beleza e a magia de um parto totalmente natural. Por favor, entre AGORA no Google ou no YouTube e faça essa busca por relatos ou vídeos de partos em casa. Recomendo também o filme “Orgasmic Birth”.

Espero que eu tenha conseguido mostrar que o parto domiciliar é um entre as milhares de possíveis escolhas que estão abertas às gestantes de baixo risco. Outras escolhas incluem: parto normal hospitalar, cesárea intraparto, cesariana previamente agendada, parto natural hospitalar, parto normal induzido, parto domiciliar desassistido, parto natural em casa de parto… É uma lista bem extensa. Cada uma com suas vantagens e suas desvantagens. Num mundo ideal, qualquer escolha seria considerada válida contanto que fosse feita com base em informações de confiança, sem outros interesses que não a saúde da mãe e do filho e desejo da mulher. Esse mundo ideal, onde a inteligência e o protagonismo da mulher são respeitados, ainda não existe. Mas eu pretendo lutar por ele. E você?

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A mãezinha da capa vermelha: um conto de fadas

Era um vez uma futura mãezinha, linda e barriguda, levando em sua cestinha perguntas para a vovozinha. Sua avó era uma sábia anciã, que havia parido 10 filhos em casa, com parteira, e ajudara a trazer ao mundo seus 27 netos. A futura mãezinha estava grávida do primeiro bisneto da anciã e tinha certeza de que poderia contar com a sua avó para controlar seus medos e ansiedades.  Sabia que suas dúvidas seriam ouvidas com carinho e que poderia encher sua cestinha com dicas de como se preparar física e emocionalmente para o dia em que traria seu filho ao mundo. Mal sabia ela, a jovem mãezinha, que o lobo mau estava à espreita.

(c) Jessie Wilcox Smith

O lobo mau era o dono do pedaço. Dominava todos os bichos da floresta com sua astúcia e sua força. Gozava de muitos privilégios por ser o bicho mais poderoso da floresta. Mas a vovozinha era uma pedra em seu sapato; ela por si só até que era inofensiva, mas seu estilo de vida não era o que o lobo queria para sua floresta, que estava aos poucos ficando do jeito que gostava: ordenada, previsível, vigiada. No casebre da anciã, as flores cresciam sem a menor lógica, as ervas daninhas não eram extraídas com a devida diligência e o fogão ainda era a lenha. Tudo muito antigo e primitiva, segundo o lobo. A velha também não comparecia às reuniões promovidas por ele; às vezes, ignorava seus avisos, mostrando-se resistente ao novo visual, limpo, moderno e avançado, que ele queria dar à floresta. Estava na hora de ensinar a ela uma lição.

O lobo foi à casa dela e, sabendo da visita semanal da  sua neta grávida, aproveitou-se da ingenuidade da velha para lhe dar uma paulada na nuca, escondê-la no armário, e começar seu teatrinho. Sentiu um frio na barriga e uma descarga de adrenalina. A verdade é que o lobo gostava do poder, mas gostava também de se fantasiar – de ovelha ou de vovózinha, não importava. Vestiu as roupas da velha, colocou a touquinha na cabeça e tratou de relaxar seus músculos e suavizar o seu olhar para ficar com cara de bonzinho.

A mãezinha apareceu, ansiosa e sem fôlego, e foi logo ao assunto.

“Ai, vó, estou tão cansada! Essa barriga pesada, as pessoas toda hora me ligando, perguntando se já nasceu… Não aguento mais,” desabafou.

“Minha filha,” começou o lobo, em tom compassivo, “não se cobra tanto. Hoje em dia, ninguém precisa mais passar por isso. Por que você não marca logo a cesárea como fizeram suas amigas?”

“Mas, vó,” protestou a jovem, “até parece que a senhora não ouviu nada do que eu disse esses meses todos. Eu quero parto normal!”

“Sim, filhinha,” disse o lobo, alisando as orelhas. “Mas o neném já tá prontinho, o quartinho também, as roupinhas lavadas e passadas. O médico não disse que já podia nascer? Hoje em dia a cesárea é super segura, pra quê tentar o normal?”

“Vó, não estou te reconhecendo. A senhora não vê que isso é papo de médico, só por que é mais conveniente para eles? Eu sei dos benefícios do parto normal e prefiro esperar.”

O lobo esfregou os olhos. Tentou uma nova estratégia.

“Tudo bem, minha filha. Você pode tentar. Mas saiba que na nossa família, as mulheres têm a bacia muito estreita. E os bebês  hoje em dia são imensos. Na hora, não fique chateada se você não tiver passagem.”

Isso foi demais para a mãezinha da capa vermelha. Ela tinha lido os livros certos e frequentado grupos de apoio: sabia que isso não passava de uma tática para meter medo nas mulheres. Definitivamente, algo não cheirava bem.

“Não, não e não!” gritou ela, assustando o lobo. “Eu sei que todas as mulheres da família tiveram parto normal, caso contrário, não estaríamos aqui hoje. Sinto, do fundo do coração, que eu também serei capaz de parir. E vejo que você não é quem você diz.”

“Calma, mãezinha,” tentou o lobo. “Eu só quero o melhor para você. Posso te oferecer o melhor da tecnologia e da ciência. Um parto rápido, limpo, planejado e sem dor.”

Finalmente, o lobo mostrou as garras: era mesmo um lobo cesarista, como ela suspeitara.

“Dr. Lobo,” disse a futura mãe, em alto e bom tom. “Você me subestimou. Achou que eu era mais uma mãezinha mal informada e ingênua. Mas, dessa vez, doutor, quem se enganou foi você. Eu sou a mulher da capa vermelha, sou guerreira – luto para conseguir o que eu quero – e eu vou parir o meu filho.”

E com isso, abriu as portas do armário, segurou sua vózinha com firmeza e saiu da floresta do lobo.

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Cesariana: uma escolha consciente?

cicatriz cesariana

Tem mulher que quer parto normal. Outras escolhem a cesariana antes mesmo de engravidar. Eu defendo o direito de todas elas a optar pela via de parto desejada – afinal, o corpo é delas e não meu. Mas sempre que uma amiga ou colega de trabalho me fala que quer fazer cesárea, eu penso: será que essa mulher sabe mesmo o que é isso? Tenho plena consciência de que, para uma grande parcela da população brasileira, submeter-se a uma cirurgia abdominal para ter um bebê, muitas vezes fora de trabalho de parto, é perfeitamente “normal”. As cirurgias de maneira geral (e a cesariana em particular) se tornaram tão banais que hoje em dia são que nem tatuagem: difícil é conhecer alguém que não tenha feito uma. No entanto, apesar de grandes avanços na medicina e na farmacologia, as evidências são categóricas: a via abdominal está longe de ser a via mais segura para o parto. A cesárea é pior para a mãe – aumentando suas chances de infecção, hemorragia, trombose, complicações pós-parto e em gravidezes futuras e depressão pós-parto e diminuindo os índices de sucesso com a amamentação – e para o bebê, estando relacionada a dificuldades respiratórias, alergias, obesidade e prematuridade (esta última quando feita fora de trabalho de parto, o mais comum hoje em dia na era dos partos com data e hora marcadas). Isso não é novidade; as gestantes costumam ser informadas desses riscos, mesmo que sejam muito minimizados pelos médicos e até mesmo pela mídia. Então, por que tantas optam pela cesárea, sabendo dos riscos? [Olha, quero deixar claro que não estou falando sobre mulheres que acabaram fazendo cesáreas por necessidade – ou até mesmo as famosas “desnecesáreas” (assunto para um outro post)- e sim daquelas que afirmam preferir a via cirúrgica] Essa resposta merece uma tese de doutorado e não sou em quem vai escrevê-la (ainda, hehe). Mas eu chuto que uma das razões, mesmo que não seja a principal, é a ignorância. E digo isso com o maior carinho: ignorância não por falta de inteligência, mas por não saber como será o procedimento em si e, principalmente, por desconhecer as alternativas, como o parto vaginal com anestesia ou o parto natural humanizado. Este post, então, é sobre o procedimento. Porque não importa o que vão te dizer – “ah, o importante é que o bebê esteja bem” ou “hoje em dia ninguém mais faz parto normal” ou até “se fosse ruim não teria tanta médica escolhendo trazer seu filho ao mundo dessa forma” – o fato é: sua barriga não tem zíper! Para tirar o bebê “por cima”, você vai ter que passar por uma cirurgia abdominal de grande porte. Outro dia escrevo sobre as alternativas, o medo da dor, as cesáreas induzidas pelo médico e todo o resto. Hoje é só o básico: o que é, exatamente, uma cesariana e o que uma mulher pode esperar em termos de experiência? A cesárea requer um jejum de oito horas, com ingestão de líquidos proibida entre 6 e 3 horas antes. No caso de uma cesariana eletiva, você será internada geralmente 2-3 horas antes da hora marcada. Antes da cirurgia em si, é provável que, depois de ter seus pelos pubianos raspados, você receberá alguns medicamentos via oral, além de um soro na veia e uma sonda na uretra (para que você não faça xixi). Vestida com aquela camisolinha ridícula e só, você será transportada na maca até o centro cirúrgico, cujo ar condicionado estará a +/- 19 graus. A sala estará cheia de gente – seu GO, um assistente, o anestesista, o pediatra e uma enfermeira e uma instrumentadora, no mínimo – sendo que poucos rostos serão familiares. O anestesista injetará uma mistura de anestésicos na sua coluna cujo efeito é imediato – mais ou menos do peito para baixo, você perderá sensibilidade. É provável que seu acompanhante só entrará no centro cirúrgico depois de tudo isso. Ao deitar na mesa de cirurgia, é bem possível que seus braços sejam amarrados, em forma de cruz, para evitar que você se mexa. Confirmado que a anestesia funcionou, com seu acompanhante a seu lado, o campo cirúrgico é montado. Ou seja, você será coberta com panos azuis/verdes e a equipe erguerá um lençol logo abaixo do seu peito, para isolar o seu rosto do resto do seu corpo. O propósito é evitar contaminação, mas também tem uma função psicológica – para que nem você nem o seu parceiro vejam as cenas a seguir. Como isso é rotineiro para todos na equipe, é possível que esses dez minutos (aproximadamente) transcorram sem a menor cerimônia, ao som de conversas fiadas entre os membros da equipe sobre futebol, novela ou o que quer que seja. Entre o lado de fora e o seu filho, o cirurgião obstetra terá que passar por sete camadas de tecido – entre elas a sua pele, a camada de gordura, o músculo abdominal, os tecidos que protegem o músculo e os órgãos internos e, por fim, a parede do útero. Uns serão cortados e cauterizados imediatamente, outros (como o abdômen) serão separados manualmente com bastante força, para chegar até o útero. Depois de cortar o útero, o médico romperá a bolsa e tirará o bebê. Isso pode ser rápido ou complicado, dependendo da posição do neném. Você sentirá a pressão das mãos dos médicos mexendo dentro e fora do seu corpo, mas não sentirá dor. Todos vibrarão com a chegada do bebê- comentando sobre o filho que você ainda não viu. Se ele chorar imediatamente – o que não é garantido, mas nem por isso é motivo de espanto – você terá a sorte de pelo menos ouvir a sua chegada. Digo sorte porque, numa cesárea padrão, você não sentirá nem verá os primeiros segundos de vida de seu filho. Após entregar o bebê ao pediatra neonatal, a equipe continuará trabalhando em você para remover a placenta, conter o sangramento – podendo retirar o excesso com gaze ou com um aparelho de sucção – e depois costurar o que foi cortado. Nessa hora, é provável você sentir uma ansiedade enorme: seu filho nasceu, mas você não pode segurá-lo e nem vê-lo (já que ele está sendo aspirado, pesado, limpado). Nem seu marido estará com você, porque provavelmente terá ido acompanhar o filho, junto com a enfermeira e o pediatra. A enfermeira levará seu bebê embrulhadinho até você, para que você olhe para o rostinho dele e sinta seu cheirinho delicioso. Mas esse momento gostoso dura pouco, porque nessa hora, o bebê é levado para fora da sala para que sejam feitos os procedimentos de rotina, e você continua ali, sendo costurada. Essa parte da cirurgia costuma durar entre 10-30 minutos, dependendo da rapidez e da técnica do médico. Terminada essa etapa, você será levada até uma sala de recuperação onde ficará ligada a aparelhos, ainda recebendo soro na veia, por aproximadamente duas horas antes de subir para o quarto. Não tem como prever os seus sentimentos durante a espera – ficará tranquila, sabendo que o filho nasceu bem, ou nervosa por não estar com ele? E quanto aos sintomas físicos – terá alguma reação desagradável aos anestésicos (pressão baixa, coceira, dor de cabeça)? Impossível prever. Mas eu recomendo que leia o relato da AnneÉ de arrepiar. A pior parte, a recuperação ainda está por vir, mas vou parar por aqui. Não coloquei fotos porque sei que tem gente que desmaia ao ver sangue. E não quero isso. Ainda mais se você estiver grávida. Mas para quem não corre esse risco, sugiro dar uma espiada aqui. Porque, às vezes, uma imagem vale por mil palavras.

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Por que mais um blog sobre maternidade?

Desde menina, sonho em ser mãe. Antigamente, queria ter quatro filhos. Bom, esse número eu abandonei, mas o sonho continua. Agora, aos 32 anos, ele está próximo de se realizar. Assim espero. Estou, oficialmente, tentando. Há um ano estou tentando me preparar – emocional e psicologicamente – para essa “viagem” e, por ser uma leitora meio obsessiva, estou com um ano de informação e pensamentos acumulados. Sempre gostei de escrever e de expor minhas análises e opiniões (nada ortodoxas) a amigos e conhecidos, e quando nasceu a ideia de ter um blog achei o que havia encontrado o meu caminho. Afinal, a blogosfera é o lugar perfeito para desconhecidos monologarem sobre tudo o quanto é assunto! E, de quebra, eu transformaria minha busca incessante por informação em algo que poderia ajudar os outros. Mas a verdade é que esse desejo de discursar sobre temas muito queridos ficou muito tempo na incubadora. Ao longo de meses acompanhando, conhecendo e pesquisando blogs e sites relacionados a maternidade, duas perguntas teimavam em aparecer para freiar a minha empolgação:
1. Por que criar mais um blog sobre maternidade se tudo que eu penso já foi dito antes e, geralmente, de forma muito eloquente, profunda e bem humorada?
2. Quem vai querer acompanhar um blog sobre gravidez, parto e maternidade de alguém que não é nem mãe, nem doula, nem obstetra, nem consultora em amamentação, nem pediatra e nem “baby expert”?

Antes de entrar nos assuntos que quero abordar aqui no blog – dos mais fúteis (enxoval, brinquedos, roupas) aos mais filosóficos (o que é uma boa mãe, como fazer escolhas conscientes na gravidez e parto, por que amamentar é tão difícil) – preciso responder a essas perguntinhas chatas. Espero que as respostas sirvam, de certa forma, como uma apresentação.

1. Pois bem. Não prometo que esse blog será especial, nem mesmo que haverá um “diferencial” ou um ponto de vista focado no público x, y ou z. Só posso afirmar que três aspectos fundamentais da minha identidade o nortearão: minha cabeça de antropóloga e feminista, minha vivência como editora (e devoradora) de livros e, por fim, minha paixão pelo tema. Eu entendo esse universo da gestação e da maternidade como algo que está inserido na nossa cultura e que, portanto, é influenciado por vários fatores (ideologia, questões econômicas, mitos e preconceitos). Acho fundamental expor e debater esses fatores e elementos para que cada mulher possa fazer escolhas conscientes e inteligentes baseadas em suas crenças e individualidade, e não no discurso do status quo – ou, pior, no que sua mãe/sogra/obstetra/pediatra mandam. Essa minha inclinação questionadora, plural e, sim, um tanto idealista será a marca desse blog.

2. Se alguém vai se interessar por minhas reflexões ou provocações, honestamente, não tenho como saber. Espero que sim. Espero mostrar que mesmo não sendo médica nem mãe, tenho acesso a informações cientificamente válidas (artigos acadêmicos, livros escritos por profissionais de saúde, psicólogos, cientistas sociais) e culturalmente relevantes (experiências e histórias de mulheres e mães de todos os estilos e procedências) que podem ser interessantes para quem busca refletir sobre o assunto. Espero também que, justamente por causa dessa minha condição nada especialista, você, leitora, possa ver em mim uma amiga: um espelho, um trampolim, um ponto de partida para explorar a sua própria identidade materna – seja você tentante, gestante, mãe ou meramente uma interessada no assunto. Enfim, só desejo que esse blog possa contribuir para a sua viagem rumo à mãe que você quer ser.

Seja bem vinda.

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