Se você vive no Rio e acompanha as notícias no jornal, deve estar sabendo das resoluções do CREMERJ (Conselho Regional de Medicina do Estado do Rio de Janeiro) que entraram em vigor no dia 19/07 proibindo a participação do médico nos partos domiciliares (como principal acompanhante ou como “back-up” em caso de transferência para o hospital) e vedando a presença de “doulas, obstetrizes, parteiras etc” nos hospitais (não explicaram se o “etc” se referia a papagaios, periquitos e paparazzi ou se era restrito a profissionais que comprovadamente diminuem as taxas de intervenções, incluindo cirurgias desnecessárias, e melhoram a experiência da mulher no parto e pós-parto).
Bom, ironias à parte, a boa notícia é que ontem, dia 30/07, após uma rápida e maciça reação de ativistas e, principalmente, do COREN-RJ (Conselho Regional de Enfermagem do RJ) – que entrou com uma ação na Justiça contra a medida (arbitrária e inconstitucional) do Cremerj – o juiz federal substituto Gustavo Arruda Macedo suspendeu as tais resoluções, devolvendo à mulher carioca a liberdade que o Cremerj tentou arrancar-lhe há algumas semanas com sua ação covarde e ditatorial. A má notícia é que o Conselho disse que iria recorrer na Justiça. Afirmou ainda que “lamenta a decisão, já que as resoluções do Conselho visam proteger mães e bebês e oferecer as melhores condições de segurança para o parto. Os direitos de proteção à gestante e às crianças são assegurados pela Constituição Federal e pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, e as resoluções do Cremerj reforçam esses direitos.”
Confesso que a postura do Cremerj me causa profunda irritação. Desde que o assunto “parto domiciliar” voltou à pauta por causa da matéria do Fantástico, a atitude do conselho tem sido um tanto belicista. Mas em vez de esbravejar, vou tentar uma abordagem diferente. Para quem não sabe, sou editora de livros. Por acaso, ontem acompanhei um autor, o professor Stuart Diamond, numa palestra. O tema do livro Consiga o que você quer (Editora Sextante) e de sua palestra é a negociação, e como professor da Wharton Business School – uma das mais conceituadas escolas de negócios do mundo – o cara sabe do que está falando. Tirei o seguinte ensinamento do livro do Prof. Diamond: “para persuadir pessoas com percepções diferentes, você precisa começar pela noção de que seus ‘fatos’ – seus pensamentos, ideias e percepções – são invisíveis para elas. O que está claro para você pode nunca ter sido visto pelo outro” (minha ênfase).
Com isso em mente, surgiu a ideia para meu primeiro post sobre o assunto: esclarecer para o Cremerj, e para todos que estão inclinados a concordar com sua postura, o que eu e outras ativistas enxergamos que pode não ser evidente para quem não é tão apaixonado e bem-informado sobre o assunto (no caso, o parto humanizado). A ideia é tornar os nossos fatos visíveis e abrir espaço para uma discussão franca e respeitosa. Sem necessidade de resoluções ou ameaças. Combinado?
1º fato invisível: Quem faz o parto é a mulher

Lindo cartaz feito pela designer Thalita Dol Essinger para a Marcha pela Humanização do Parto.
A protagonista do parto é a mulher. Que fique claro: a gestante (sei lá, vai que entendem que é a doula ou a parteira!). O papel da equipe – incluindo do médico – é permitir que a mulher “faça” o parto: dilatando, se abrindo, expulsando o bebê e depois a placenta. A mulher fará esse trabalho melhor onde ela se sentir bem, e ao lado de quem faça bem a ela (não sou eu quem inventei isso – a posição é da OMS!). Como a função principal da doula é apoiar a mulher, oferecendo suporte emocional e físico, é bastante provável que, em se tratando de mulheres bem informadas que dispõem dessa opção, muitas vão optar por receberem esse tipo de acompanhamento.
2º fato invisível: O parto mais seguro é aquele que mais se aproxima do fisiológico
Já é batido dizer que o parto mais seguro para a mãe e para o bebê é o vaginal (aliás, o outro não é parto, é cirurgia, mas isso é assunto para outro post). Nenhum médico ousaria dizer o contrário, porque isso é fato estabelecido há décadas. Mas nós, ativistas da humanização, vamos além: entendemos, com base em estudos (como aqueles compilados pela revisão Cochrane) e nas recomendações da OMS, que o parto mais seguro é aquele que se mantém o mais próximo possível do fisiológico, sob o efeito dos hormônios e instintos naturais da mulher e do bebê (como nos outros animais). Estudos indicam que a grande maioria das gestações de baixo risco ocorrerão desta forma se a equipe evitar intervenções de rotina (desnecessárias até que se prove o contrário).
3º fato invisível: A mulher tem o direito de decidir o que será feito com o seu corpo
Essa afirmação me parece bastante óbvia, mas estou seguindo religiosamente o meu novo guru Stuart Diamond, então resolvi deixar registrado. O corpo mais afetado no parto é o da mulher. E o do bebê. A mulher, enquanto mãe, quer o melhor para o bebê (lógico). Então, na verdade, a opinião que interessa é a da mãe (já que ela sabe de si e, mais do que ninguém, sabe também do seu filho). Portanto, se a mãe quiser parir no hospital, em casa, ou se quiser ser operada, vale o que ela decidir. Se quiser parir deitada, na banheira, de quatro, ou de ponta cabeça (duvido), ok também. Se escolher parir na presença do médico, do marido, da doula, do cachorro e do papagaio, que seja! O Cremerj, ao tentar tirar o direito ao parto domiciliar e ao acompanhamento da doula (figura esta que apoia a mulher em tempo integral), acaba limitando esse direito e coloca o médico no papel tutelar de decidir sobre o corpo da mulher. O médico, a parteira e a doula não têm o direito de tomar decisões pela mulher nem de coagi-la a escolher a opção que ele/ela deseja: seu papel é informar, com base nas melhores práticas (evidências) e, em segundo lugar, nas suas experiências.
4º fato invisível: O médico tem o direito de praticar a medicina baseada em evidências
Talvez a maior injustiça da postura do Cremerj seja o cerceamento do direito do próprio médico de fazer o seu trabalho. Vou explicar: se não quiserem ser alvos de processos, arriscando até mesmo a cassação de seus registros, os obstetras humanizados são forçados a seguir a determinação do Conselho, mesmo que eles apoiem o parto em casa ou em centros de parto normal (em que a gestante é acompanhada por enfermeiras obstétricas ou obstetrizes, como no modelo vigente na Europa e no Japão) . Isso deve ser especialmente dificil quando as resoluções impostas vão contra as evidências científicas sobre melhores práticas, o que é o caso tanto para partos domiciliares em mulheres de baixo risco (que são seguros tanto quanto partos hospitalares) quanto para a presença das doulas (que aumentam a satisfação materna e diminuem as intervenções).
5º fato invisível: A presença da doula é comprovadamente benéfica e condizente com melhores resultados maternos e neonatais
É a terceira vez que faço essa afirmação e, para não me repetir muito, vou parar por aqui. Mais informações no link para o estudo feito sobre apoio continuo a mulheres durante o trabalho de parto e parto (pdf aqui).
Vou parando por aqui. Mas, antes disso, queria pedir três coisas:
1. Compartilhem essas informações – quem sabe assim não chega até a caixa de entrada ou até o mural de alguém do Cremerj e possamos dialogar com as cartas na mesa?
2. Escrevam em seus blogs, murais, twitters sobre o direito SOBERANO da mulher de escolher onde, com quem e em que condição ela quer ganhar seu bebê.
3. Compareçam à Marcha Pela Humanização do Parto, que ocorrerá no Rio, no dia 5 de agosto, às 14:00, na praia de Ipanema (saindo do posto 9). O lindo convite, feito pela talentosa Thalita Dol Essinger, está abaixo.
