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Um bebê saudável não é o bastante

Por que tantas mulheres aceitam indicações esdrúxulas de cesárea, agendam cirurgias desnecessárias, abandonam o sonho de parir e passam a contribuir para a vergonhosa estatística de nascimentos cirúrgicos do nosso país?

Sei que as respostas são tão variáveis quanto as pessoas que se depararam com essa escolha. Cada mulher tem a sua história, seus medos e suas motivações. Mas, como antropóloga, acredito que a cultura pró-cesárea pesa muito forte nessa hora. Afinal, se todas estão fazendo, não pode ser tão ruim (algumas até dizem que “parto normal é anormal, normal é a cesárea”). Optar pela cesárea, no nosso Brasil atual, representa um alívio. Significa não precisar mais nadar contra a maré, peitar Deus e o mundo, ser chamada de louca ou taxada de masoquista (“pra quê sofrer??”). Nessa nossa cultura de valores invertidos (onde o que importa é o produto e as aparências, não as pessoas e seus desejos) e machistas (em que a vagina ou é “assassina” ou é “o parquinho do marido”), submeter-se à cesárea é “pensar no bebê” e “insistir” no parto normal é egoísta.

Pois eu não concordo. Não mesmo. Primeiro porque, apesar das crendices e dos mitos de cordões assassinos e vaginas deformadoras de crânio, a ciência diz categoricamente que a via vaginal é a melhor via de nascimento para um bebê salvo em raríssimos casos. E segundo porque eu não acredito que o parto se resume ao nascimento de um bebê – ou melhor, à extração desse produto bebê do corpo (traiçoeiro, descontrolável, perigoso) de sua mãe. O parto é da mulher, do bebê e da família e merece ser vivido de forma plena, crua e totalmente personalizada (e não por isso menos segura e prazerosa), por essa família. Quando o parto se torna “um mal necessário” para conseguir “um bebê saudável” – como ocorre na nossa cultura – todos saem perdendo.

Eis que essa semana li um texto publicado no site da organização Improving Birth, cuja missão é promover o cuidado baseado em evidências e a humanização do parto e nascimento, que caiu como uma luva, e quero agora compartilhá-lo com vocês. Escrito pela Cristen Pascucci, vice-presidente da organização Improving Birth e especialista em política e comunicação, o original pode ser encontrado no seguinte link e a tradução segue abaixo. Espero que gostem do texto tanto quanto eu.

Um bebê saudável não é tudo o que importa
por Cristen Pascucci

Ouvimos toda hora que “um bebê saudável é tudo o que importa”. Isso simplesmente não é verdade – especialmente quando, com mais frequência do que deveria, o que queremos dizer é que, tanto para mães quanto para seus bebês, basta “sobreviver ao parto”. Isso não chega nem perto de ser bom o bastante.

A verdade é que hoje, aqui e agora, o padrão não só pode como deve ser mais alto: um bebê saudável, uma mãe saudável e uma experiência positiva e respeitosa para todos, centrada na família.

Por que isso é tão importante? Porque o que nós esquecemos quando o foco é meramente em “sobreviver” ao parto é que, para mães, dar à luz não representa só um dia entre muitos dias de suas vidas. Para a grande maioria de nós, o parto não se resume à extração de um feto de nossos úteros da maneira mais eficiente possível.

O parto é uma experiência marcante, que fica gravada na memória para sempre. Pergunte à maioria das mães como foi o seu parto e você vai ver e ouvir a emoção vir à tona enquanto compartilham suas histórias – histórias estas que, boas ou ruins, nós revivemos intensamente e com frequência, queiramos ou não. E não esqueçamos que nossas experiências podem ter consequências importantes, duradouras e permanentes para a nossa saúde. O parto afeta o puerpério (quem nunca ouviu falar nos baby blues, aquela melancolia pós-parto?), os relacionamentos com nossos bebês e nossas famílias, e nossas atitudes perante nós mesmas e os partos que teremos no futuro.

Para os bebês, trata-se de sua primeira impressão do mundo e daqueles que serão seus principais cuidadores. Estamos comunicando aos nossos bebês desde o primeiro dia o que é o mundo, se é ameaçador ou seguro, e como nos relacionamos com esse mundo. Essa relação não poderia ser muito melhor se adentrássemos a maternidade fortalecidas pelo parto, confiantes e apoiadas?

É claro que no mundo real o parto não segue o padrão de um livro texto; complicações, mudanças de planos e desfechos indesejados acontecem. Mas mesmo nesses casos, uma mulher ainda pode ser respeitada e apoiada. Talvez não sejamos capazes de controlar a natureza, mas podemos sim controlar como tratamos as mulheres durante o trabalho de parto e nascimento. Até quando acontece o pior (especialmente quando acontece o pior!), não há nenhuma desculpa para um tratamento que não demonstre o máximo de respeito, deferência e compaixão pela parturiente enquanto ela faz suas escolhas.

Porque o que é mais curioso sobre a frase de “bebê saudável” é que, com tanta frequência, ela é empregada para justificar uma experiência decepcionante, difícil ou traumática. É dita por nossos médicos, nossos amigos e nossos parentes enquanto ainda não nos recuperamos do choque do que acabou de acontecer: enquanto tentamos entender uma experiência que fugiu, inesperadamente, ao nosso controle. E sim, também dizemos a frase para nós mesmas.

Então qual é a peça chave para um novo padrão? Somos nós! São as mulheres cujo dinheiro alimenta a indústria que nos provê desses serviços e cuidados. Embora muitas não tenham se tocado disso, somos nós que estamos com a faca e o queijo na mão. Imagine o que aconteceria se nós, milhões de mães e pais e seus amigos, de fato tomássemos para nós esse poder e fizéssemos uso dele.

Podemos começar pela educação, nos informando sobre o que seria um cuidado digno – respeitoso, baseado em evidências – e daí passando a buscar esse cuidado com consciência crítica quando conversamos com potenciais médicos. Podemos ficar atentos aos sinais de alerta – coisas como ouvir do médico que “não será permitido” ou que você “não pode” fazer tal coisa – e parar de ignorar nossos instintos! Na minha opinião, escutar uma frase como “um bebê saudável é a única coisa que importa” se encaixa nessa categoria. Essa frase me diz, “o que quer que aconteça na sala de parto/centro cirúrgico, você não terá o direito de reclamar. Se nós lhe entregarmos um bebê vivo, fizemos o nosso trabalho.”

Por fim, e talvez o que é mais importante, podemos exercer o nosso poder abandonando aqueles médicos que não nos oferecem bebês saudáveis, mães saudáveis e uma experiência positiva, respeitosa e centrada na família.

Para mães e bebês, sobreviver ao parto não é o bastante. É só o ponto de partida.

"Pelo menos você tem um bebê saudável", criado por Meghan Rodberg.

“Pelo menos você tem um bebê saudável”, criado por Meghan Rodberg.

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Série Inspiração: Pais contemporâneos, bebês atemporais, por Meredith Small

Por mais (pós)modernos, urbanos e “antenados” que sejamos, a verdade é que nossos bebês são pré-históricos: biologicamente são iguaizinhos aos bebês que nasceram há 5000 anos. Também são idênticos aos bebês que nascem hoje em países e culturas muito diferentes da nossa. Essa é a tese que gerou um clássico americano, escrito pela antropóloga e professora da Universidade de Cornell Meredith Small, Our Babies, Ourselves (Nossos bebês e nós mesmos), publicado em 1998 pela Achor Books. O trecho de hoje é da conclusão desse livro maravilhoso (nunca editado no Brasil, infelizmente).

Pais contemporâneos, bebês atemporais

Criar filhos é um verdadeiro circo de egos e necessidades, limitações biológicas e expectativas evolutivas, que interagem entre si. Como em tudo na vida, ser pai é também uma série de concessões; não existe uma maneira perfeita, somente uma série de opções, um bando de caminhos possíveis, que direcionam os adultos na entrépida função de criar seus bebês. E é mesmo tão trabalhoso que faz sentido se perguntar por que as pessoas têm filhos afinal. Mas como me apontou Jim McKenna quando comentei sobre o investimento excessivo que os recém-nascidos requerem: “A evolução nunca nos prometeu um mar de rosas”. Nossa natureza envolve passar para frente nossos genes e isso significa pagar o preço que os bebês exigem. Criar filhos é para ser, de fato, muito trabalho, além de cansativo para o organismo adulto, porque é assim que o animal humano foi concebido. Se nós, enquanto pais, aceitarmos essa verdade fundamental – que ter um bebê e criá-lo até a idade adulta significa uma enorme limitação na vida, nos recursos, nos nossos aspectos físico e emocional e, considerando o tamanho da responsabilidade, não é para qualquer um – então estaremos efetivamente alinhados e de acordo com nossa herança evolutiva.

Na interseção dessa verdade fundamental está a saída de emergência da cultura, que nos permite tentar diversas maneiras de adminstrar essa função. A cultura e a tradição fazem parte da nossa flexibilidade, e nos podemos, portanto, mudar as normas da cultura porque somos a cultura. […] Ninguém espera que uma mãe passe a morar numa oca e viva da caça ou da coleta carregando um bebê nas costas. Mas é razoável sugerir que dormir com um bebê faz bem e que não o transformará numa criatura dependente e chorona. Talvez não queiramos alimentar um bebê continuamente como os Khoisan [um grupo étnico africano], mas uma mãe pode certamente decidir reduzir o intervalo entre as mamadas, ou alimentar sem horários fixos se ela quiser. E não existe vergonha alguma em usar o bebê num sling ou carregador em vez de deixá-lo no cercadinho. A cultura não deve ser uma ditadora, mas uma facilitadora.

E todos os pais têm a opção de rever e aceitar ou rejeitar sua bagagem cultural. Por exemplo, pais ocidentais com todas sua sofisticação tecnológica podem tomar decisões pessoais sobre os produtos que os fabricantes lhes empurram na tentativa de facilitar a vida. Trata-se de avaliar esses aparelhos sob um entendimento do bebê informado pela ótica da evolução e diversidade cultural, que nos dá a opção de rejeitar essas supostas inovações se quisermos. Podemos decidir que o cercadinho, quando tem gente disponível para segurar o bebê, não é a melhor opção, ou que usar um bebê conforto para confinar o bebê na sala de estar não é a maneira ideal para ele passar o dia. Podemos escolher reverter a direção da babá eletrônica e deixar que o bebê, sozinho em seu berço, se exponha aos barulhos da família ao invés de excluí-lo do convívio social.

O bebê humano não é meramente um aglomerado do reflexos que se transforma num adulto consciente. Os bebês foram, e continuam sendo, moldados pela evolução para passar pelo canal de parto, para expressar suas necessidades através do choro e da inquietação, e para interagir com o mundo a sua volta. […] É assim que o bebê adentra nesse mundo, mas não é necessariamente assim que o mundo o enxerga. Como os seres humanos demoram tanto para se desenvolverem, há oportunidades, e tempo, de sobra para desencontros e malentendidos ocorrerem enre bebês, cujas necessidades internas o levam a esperar certas coisas, e seus pais, que querem simplesmente seguir em frente com suas vidas. É a famosa faca de dois gumes – a evolução forneceu aos humanos um amplo campo de atuação, porém às vezes não fazemos ideia de como suprir nossas necessidade de forma mais eficiente. Somos destinados a fazer sexo, gerar bebês que contêm nossos genes, e assegurar que eles cheguem à idade para procriarem – este é o plano que a natureza tem para nós. Mas há muita folga no sistema, muito espaço para manobrar, e muitas formas de fazer errar. “A evolução nos deu uma arena em que cuidar de crianças pode ser aprendido”, explica o antropólogo Jim McKenna, “mas não nos diz o que deve ser aprendido, então aprendemos tudo quanto é maluquice sobre os bebês”. […]

Aceitar que os bebês são às vezes um fardo e depois tentar criá-los num estilo que não rompe com a díada pai/mãe-bebê, mas que facilita sim a vida, é o desafio que todos nós enfrentamos. Na maioria das vezes, isso significa confiar no instinto paterno/materno – isto é, o bom sense, que também evoluiu para ser um guia. E os bebês também nos ajudam, com seus braços erguidos, seus sorrisos sapecas, e seu choro e sua irritação, que nos informam se estamos no caminho certo.

*

Se você é leitor do blog, deve ter percebido que as ideias de Meredith Small e de outros adeptos da “etnopediatria” (como Harvey Karp e Jim McKenna) servem como pano de fundo aos posts sobre babywearingexterogestação e cólica. As minhas “primeiras impressões” sobre os valores que norteiam a criação de filhos em vários países também segue um pouco essa linha antropológica…

Mas quero deixar claro que não estou incentivando ninguém a romper com as convenções sociais da nossa cultura ou alegando que tudo o que fazemos é errado. O importante é saber que, com tanta informação disponível hoje sobre as práticas de outros povos e de outros tempos, temos a chance de aumentar nosso leque de opções ao invés de sermos obrigados a repetir, de forma automática e sem senso crítico, as atitudes de nossos amigos e parentes – especialmente se essas escolhas não estiverem alinhadas com o que julgamos ser melhor para nossos filhos nem com as nossas próprias crenças e necessidades. É essa diversidade de opções e liberdade de escolha que eu curto. Para usar as palavras da autora prestigiada:  A cultura não deve ser uma ditadora, mas uma facilitadora. 

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Você sabe o que é a cólica do bebê? (sabe mesmo?)

Se você está grávida, preparando-se para tal ou com um bebezinho novo em casa, é provável que tenha pavor da terrível Cólica (com ‘c’ maiúsculo). Certamente já ouviu histórias horripilantes de bebês aparentemente angelicais que viram monstros depois de uma certa hora, deixando os pais acordados por toda a madrugada enquanto berram e esperneiam. Agora então, com a proibição da funchicórea – aquele fitoterápico que algumas mães consideram “mágico”, mas cuja eficácia não é comprovada – a tal da cólica ficou ainda mais assustadora [antes que você se zangue comigo: não estou defendendo o uso desse “remédio”, só estou informando que agora a funchicória foi proibida pela Anvisa]. Mas vamos começar pelo começo: você sabe o que é de fato a cólica?

Vamos fazer um teste?

Escolha uma das opções. A cólica dos bebês é:

a. Caracterizada por dores abdominais, geralmente causada por gases, azia ou indigestão.

b. Um termo usado para falar de qualquer dor ou incômodo físico que faça o recém-nascido chorar por mais de uma hora por dia.

c. Diagnosticada em casos de bebês que passam no mínimo três horas por dia chorando, no mínimo 3 dias por semana, ao longo de no mínimo três semanas.

d. Um rótulo colocado indiscriminadamente em bebês que choram muito por nenhum motivo aparente.

Se você escolheu a opção a, como dita o senso comum, ERROU. Chocante, não é? A cólica do recém-nascido não tem nada a ver com a nossa cólica e não necessariamente está relacionada a dores abdominais! A resposta b está próxima, mas também é incorreta. A definição oficial de cólica é a opção c: ou seja, cólica é o termo usado para descrever a condição de bebês que choram por três horas ou mais por dia, durante três ou mais dias na semana por um período mínimo de três semanas consecutivas. Mas quantas vezes você já não viu pais de um bebê de duas semanas reclamarem da cólica quando nem deu tempo de observar o bebê por esse tempo todo? Aposto que mais de três vezes – no mínimo ;-)! Por isso, eu tendo a concordar com as pessoas que marcaram a opção d: que o termo “cólica” está sendo usado a torto e a direita para rotular qualquer bebê com um grau de irritação e/ou inquietude acima do desejável, transformando o que é fisiológico (o choro) em patologia (“cólica”).

Resumindo: “cólica” é uma palavra que não explica a origem do problema, e sim descreve um comportamento comum dos recém-nascidos, que aparece geralmente a partir da terceira ou quarta semana de vida e costuma parar por volta dos três ou quatro meses. Portanto, quando pediatras, parentes e conhecidos sugerem mudanças na dieta (em geral, a eliminação de laticínios e condimentos), receitam remédios ou fitoterápicos para aliviar os gases e indicam bolsas de água quente ou massagens para reduzir o desconforto, essas ações não passam de palpites para mudar o comportamento, já que não se sabe a causa do problema, simplesmente o sintoma – isto é, o choro prolongado.

Nunca tive que lidar com um bebê com cólica, então peço desculpas se você, que já passou por isso, está se irritando com esses detalhes teóricos. Imagino que seja realmente desesperador e que qualquer um tentaria DE TUDO para fazer seu amado parar de sofrer – desde remédios com prescrição médica até duvidosos pozinhos com adoçante (a funchicórea contém sacarina). Mas, como minha meta aqui é apresentar uma nova maneira de pensar sobre temas relacionados à maternidade, vou propor uma visão alternativa sobre a cólica baseada em uma observação interessante (que, por acaso, não é nada nova): segundo estudos em recém-nascidos coreianos, iranianos e !kung san (uma tribo africana), bebês de culturas não-ocidentais passam menos tempo chorando (e, portanto, têm menos “cólica”) que bebês ocidentais. Por quê será?

Já que todos tendem a achar que cólica está relacionada ao sistema gastrointestinal, comecemos pelo básico: a alimentação. Bebês em culturas tradicionais não são amamentados seguindo o relógio, mas continuamente, conforme a necessidade. Ou seja, eles não tem horários fixos para mamar e nem são forçados a ficar x minutos em cada seio ou o que quer que seja. A mãe oferece o seio quando o bebê mostra sinais de fome. E pronto. Assim, o bebê mama pouco muitas vezes ao dia (e ao longo da noite). É totalmente plausível que isso seja melhor para seu sistema digestivo ainda imaturo. Quanto ao leite em si,  nas culturas asiáticas e africanas – onde foram comprovadas o pouco choro dos bebês – come-se uma dieta variada e condimentada. No entanto, comparado ao Ocidente, consome-se menos laticínios. Portanto, pode ser que o laticínio seja um fator para o desconforto que causa o choro dos bebês. Isso também faz certo sentido do ponto de vista biológico, já que a proteína do leite é conhecidamente alergênica para muita gente (graças a Deus eu escapei dessa, pois amo leite!).

Além da alimentação, tem o cuidado com o recém-nascido como um todo: onde ele passa o tempo quando não está mamando, em que posição fica, por quanto tempo etc. A prática ocidental de deixar bebês longe da mãe – em carrinhos, bebês-confortos, berços, balanços – geralmente deitados não é muito comum no resto do planeta. Primeiro porque requer a compra de “coisas” (carrinho, bebê-conforto, berço, balanço) que não estão disponíveis ou ao alcance das pessoas. Segundo porque esses aparelhos todos não fazem sentido fisiológico: as mulheres por gerações carregaram seus bebês em slings ou deixavam eles nos braços de uma tia, irmã mais velha ou avó e esses hábitos sempre funcionaram. Assim, os bebês não-ocidentais ficam em contato pele a pele com alguém quase sempre, em movimento e, geralmente, verticalizados e embrulhadinhos. Seja por motivos emocionais (a tranquilidade da presença de outro ser humano) ou físicos (menos desconforto fisiológico) – ou ambos! – a consequência seria uma diminuição na frequência de choro e na sua duração.

Fora esses fatores “concretos”, há também o intangível: a atitude das mães e outros cuidadores. Apesar de ter gostado do livro de Laura Gutman, A maternidade e o encontro com a própria sombra (editora Best Seller), não posso dizer que acredito 100% na tese de que o bebê seja um reflexo (ou “a sombra”) de sua mãe – tese esta que colocaria “a culpa” dos males do bebê nas questões psíquicas mal-resolvidas de sua mãe. Faz sentido que o estado emocional da mãe afete o bebê (e vice-versa, óbvio!), mas não acho que necessariamente toda manifestação “anormal” (ou melhor: “indesejável”) no bebê seja um sinal de algo que precisa ser “consertado” na mãe. Por outro lado, uma atitude tranquila e confiante da parte da mãe só pode ajudar, né? E se você já teve a oportunidade de observar mães de culturas não-ocidentais (o documentário Bebês é uma boa pedida!), deve ter percebido que elas parecem ter uma serenidade, uma falta de preocupação ou “frescura” – enfim, uma naturalidade! – invejável. Olha, como antropóloga, tenho que dizer que odeio esse tipo de generalização, mas é fato que nossa geração de mulheres (ocidentais, instruídas, profissionais) tem uma tendência à ansiedade e à preocupação acima da média. Será que isso não pode estar influenciando a “cólica” dos bebês: seja na própria incidência dela ou na percepção de sua existência?

Enfim, ficam as perguntas e a reflexão. Em breve publicarei um post mais prático (e mais curto!): 5 dicas para diminuir o choro (ou a “cólica”) do bebê.

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Maternidade: a última fronteira da globalização?

Algumas observações sobre a criação de filhos em diferentes culturas

Não foi por acaso que escolhi estudar antropologia cultural na faculdade. Antes de completar 18 anos, estudei em 3 continentes e, quatro anos mais tarde, havia morado em 5 países diferentes (onde morar = habitar por um período maior que 90 dias). Pode-se dizer que passei a vida toda observando, comparando e pensando sobre as diferenças – e as semelhanças – entre práticas culturais de vários países. Em três desses países também tive bastante contato com crianças: no Brasil, obviamente, em várias fases da vida; nos EUA, na minha adolescência, como babysitter nas horas vagas; e, aos 22 anos, na Dinamarca, onde passei 6 meses ganhando a vida como au pair, cuidando de um bebê de 1 ano.

É claro que na Dinamarca, nos Estados Unidos e no Brasil há diferentes tipos de pai e mãe, tomando decisões diversas e se identificando com várias “tribos”. Mas pode-se dizer que determinados comportamentos ou atitudes são quase universais sob o ponto de vista cultural e, nessas coisas, a população diverge pouco. Queria falar sobre algumas particularidades culturais que talvez causem “estranhamento” em alguém que não pertence ao país, mas que são importantíssimos para definir a “identidade cultural” dos cidadãos desses países. Quem sabe você não queira adotar algum hábito “estrangeiro” ou simplesmente venha a enxergar a sua própria cultura com novos olhos?

E.U.A: a pressão pelo destaque e pela excelência

Bebês americanos: (hiper)estimulados desde cedo

Foi difícil escolher um único elemento da cultura americana para descrever. No início, pensei em falar sobre a prática universal de ler um livro infantil antes de dormir. É um hábito totalmente enraizado, praticado por pessoas de todas as classes sociais e “tribos” da maternidade desde a tenra infância, e algo que eu mesma pretendo adotar. No entanto, parei para pensar e vi que, na verdade, esse hábito faz parte de um quadro maior: a necessidade de desenvolver habilidades e talentos e se destacar na sociedade desde cedo. As crianças americanas de maneira geral sofrem uma pressão absurda. Seus pais não esperam que sejam meramente saudáveis ou “boazinhas”; elas precisam ser mais inteligentes, mais talentosas, mais especiais que as demais… De maneira geral, eles torcem para que os filhos sejam precoces em tudo e, para isso, estão dispostos a investir tempo e dinheiro. Desde os DVDs (picaretas) que prometem fazer seu bebê mais inteligente aos CDs de Mozart para bebês ainda em desenvolvimento no útero materno e à suplementação de Omega 3 e DHA na gravidez, há uma verdadeira obsessão por desenvolver o cérebro do filho e garantir-lhe uma vaga em Harvard ou Yale. Crianças pequenas, de três anos, fazem milhares de atividades para garantir um currículo completo e uma gama de talentos que precisam ser “aprimorados” o quanto antes: aulas de piano, de futebol (para meninas), de beisebol (para meninos), DVDs de uma segunda língua (agora a moda é mandarim), brinquedos “educativos”, “flash cards” para melhorar a memória dos pequenos e “play dates” (encontros marcados para brincar). Toda essa agenda é obsessivamente pensada para que a criança desenvolva habilidades importantes para que, futuramente, ela venha a ser um grande líder na área que escolher. Quando não é a excelência acadêmica o esperado, é o destaque em qualquer outra área (esporte, música, teatro). O fato é que muitas crianças americanas são encaradas como um projeto pessoal dos pais e, portanto, sofrem uma pressão enorme por serem bem-sucedidas ou “únicas” de alguma maneira. Não é à toa que lá tem tanta criança prodígio e tantos pais optando por educar os filhos em casa, seguindo um currículo feito totalmente sob-medida – para o bem e para o mal.

Dinamarca: a reverência pela natureza

Faça chuva ou sol, a soneca do bebê dinamarquês é ao ar livre

Quando cheguei na casa do Sebastian, o bebê apaixonante de quem eu iria cuidar pelos próximos meses, nos arredores de Copenhague, era inverno. O termômetro registrava em torno de -5 graus. Mesmo assim, as instruções eram claras: todos os dias, às 11 da manhã, eu deveria embrulhar o pequeno num saco de dormir (feito de pena de ganso), colocá-lo no seu carrinho (aqueles à moda antiga) e levá-lo para um passeio até que ele adormecesse. Ele deveria ficar dormindo lá fora, com a babá eletrônica estrategicamente posicionada, até a hora de acordar. Imagino que vocês estejam reagindo da mesma forma que eu, dez anos atrás: Como assim colocar um bebê de 10 meses para dormir por 2 horas num frio absurdo? Ah, detalhe, se estivesse chovendo, era para cobrir o carrinho com a capa de chuva. Acontece que, na Dinamarca, a natureza é respeitada acima de tudo. E as crianças são expostas a ela desde o dia em que nascem. No inverno, elas dormem no frio, para receber o “ar fresco”. Na primavera, bebem água adoçada com a flor do sabugueiro do quintal. No verão, comem frutas vermelhas direto do pé e no outono saem para catar maçãs. Em todas as estações são estimuladas a ficarem próximo da natureza – na neve, na terra, na areia, no parque. Até mesmo as crianças de Copenhague, a capital. Vale a pena acrescentar mais duas curiosidades sobre os bebês na Dinamarca: eles mamam no peito costumeiramente até os 2 anos ou mais e a preferência nacional é por brinquedos de madeira ou pano. Quase não vi brinquedos de plástico por lá. De novo, a importância de respeitar e ficar próximo da natureza e de matérias primas naturais. Por fim, uma curiosidade: o Sebastian não tinha nenhuma peça de roupa na cor vermelha – lá vermelho é cor de menina.

Brasil: a importância de ser belo

Imagine a seguinte cena: seu filho está se comportando mal numa festa ou na casa da sua sogra. Qual a palavra que você usa para reprimi-lo? Feio. “Isso é muito feio, filho, para com isso!” Quando queremos incentivar, a palavra é bonito. Feio é a pior coisa do mundo. Quem não desejou com toda sua força que no filho nascesse bonito, que tivesse os olhos azuis do avô ou o cabelo “bom” (odeio esse termo!) do pai? Quanto não se gasta no Brasil com adornos totalmente inúteis cujo único propósito é embelezar e enfeitar a cria? Sapatinhos de croché, fitas, roupas engomadas, mantas que combinam com a roupa… Uma coisa é certa: já viajei bastante e somente no Brasil eu vi para vender faixas e fitas de cabelo para nenéns recém-nascidas. Também desconheço uma cultura em que seja tão comum (hegemônico, até) a prática de furar as orelhas de uma bebê com meses ou semanas de idade, uma atitude cuja única função é estética. Pois é. Infelizmente, nessa minha análise de práticas culturalmente peculiares (e que seriam consideradas estranhas ou desumanas para quem é de fora), a característica brasileira não poderia ser mais fútil. Aqui espera-se que os bebês (especialmente as meninas) sejam belos – verdadeiros bonequinhos, preciosos e emperequetados. O maior elogio para a mãe brasileira é ter seu filho equiparado a um bebê Johnson’s, a ponto de existir para vender shampoos que prometem clarear o cabelo do pequeno para que fique loiro. Com camomila, claro. Natural, óbvio. Mas comprar um produto cujo único propósito é tornar seu bebê mais belo é sinal de que, talvez, damos importância demais às aparências.

Enfim, nesse exercício, busquei descrever um elemento da cultura de criação de filhos que nos outros países causaria um estranhamento. A neurose por destaque e excelência dos EUA pode interpretada como cruel ou doentia nos outros países. Expor um bebê de 4 meses aos elementos da natureza seria considerado louco ou irresponsável no Brasil ou nos EUA. E, por fim, a nossa obsessão nacional pela estética, até dos bebês, não é vista como “natural” pelos estrangeiros.

Não estou dizendo que a criação de filhos no Brasil se resume a isso e, juro, queria ter trazido para cá uma avaliação mais positiva sobre as práticas brasileiras. Mas não consegui, sinceramente. Porque a diferença sobressalente que enxergo – pelos produtos, as propagandas e as conversas entre amigos – é a preocupação com a estética. Alguém pode me ajudar a ver algo mais positivo que seja característico da nossa cultura?

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