Junho foi um mês tão intenso no universo da humanização do parto e do nascimento que não sobrou nenhuma energia para atualizar o blog. Como não quero deixar passar muito tempo sem postar, e enquanto a inspiração para escrever algo original não vem, resolvi “pegar emprestado” as palavras de autores e ativistas que admiro e montar uma série “Inspiração”.
Serão trechos de livros traduzidos por mim ou textos escritos por terceiros (com os devidos créditos) para inspirar e instigar a reflexão. O primeiro da Série Inspiração é um trecho que traduzi das primeiras páginas da edição inglesa do livro Bésame Mucho, do pediatra espanhol Carlos González, publicada pela excelente editora Pinter & Martin. Em seguida, alguns comentários.
O último tabu
A nossa sociedade aparenta ser muito tolerante porque tanta coisa que era proibida há 100 anos hoje é considerada completamente normal. E, no entanto, se analisarmos mais a fundo, veremos que existem coisas que há 100 anos eram normais e que hoje são proibidas. Tão completamente proibidas que até nos parecem normais; tão normais quanto as proibições e os tabus de nossos bisavós lhes pareciam ser.
[…] Nossa sociedade, que é bastante tolerante em alguns aspectos, é menos tolerante quando se trata de crianças e mães. Esses tabus modernos podem ser classificados em três grupos.
- Relativos ao choro: é proibido dar atenção às crianças, colocá-las nos colo ou lhes dar o que desejam quando estão chorando.
- Relativos ao sono: é proibido deixar as crianças adormecerem em seus braços ou enquanto mamam, ninar ou embalar os bebês para que caiam no sono, dormir com eles na mesma cama.
- Relativos à amamentação: é proibido amamentá-los no lugar ou na hora que for, ou amamentar uma criança que “passou da idade”.
Quase todos esses tabus têm um elemento em comum: eles proíbem contato físico entre mãe e filho. Por outro lado, todas as atividades que tendem a reduzir o contato físico e aumentar a distância entre mãe e filho são amplamente recomendadas:
- Deixar a criança sozinha no quarto.
- Transportá-la num carrinho de bebê ou bebê conforto.
- Colocá-la na creche o mais cedo possível, ou deixá-la aos cuidados dos avós ou, melhor ainda, de uma babá (as avós “estragam” as crianças!).
- Mandá-la para uma colônia de férias tão logo seja possível e pelo máximo de tempo possível.
- Reservar “um tempo a sós” com o cônjuge, sair sem as crianças, curtir a vida “de casal”.
Embora algumas pessoas tentem justificar tais recomendações, insistindo que são para “ajudar as mães a descansarem”, o fato é que não proíbem atividades cansativas. Ninguém diz: “não passe muito tempo arrumando a casa ou seu marido ficará mal acostumado com uma casa limpa” ou “você acabará tendo que lavar suas roupas quando ele sair de casa”. Na verdade, é geralmente a parte mais prazerosa da maternidade que é proibida: deixar seu filho adormecer em seus braços, niná-lo, curtir a sua companhia.
Talvez seja por isso que criar filhos é tão desagradável para algumas mulheres. Requer menos trabalho do que antes (temos água corrente, máquina de lavar, fraldas descartáveis…), porém há menos recompensas. Numa situação normal, em que a mãe está livre para cuidar do filho como ela bem entender, o bebê chora pouco e, quando o faz, é doloroso para a mãe, e ela sente compaixão (“Coitadinho, o que houve?”). No entanto, quando a proíbem de pegá-lo no colo, dormir com ele, oferecer o peito ou consolá-lo, o bebê chora ainda mais, e a mãe fica impotente diante desse choro, e sua reação se torna zangada ou agressiva (“O que foi dessa vez!”).
Todos esses tabus e preconceitos fazem as crianças chorarem, mas também não fazem seus pais mais felizes. Então a quem eles agradam? Talvez aos pediatras, psicólogos, pedagogos e vizinhos que os recomendam? Eles não têm direito de lhe dizer o que fazer ou como viver sua vida ou como tratar seu filho.
Famílias demais sacrificaram a própria felicidade bem como a felicidade de seus filhos no altar de alguns preconceitos infundados.
O objetivo deste livro é derrubar mitos, quebrar tabus, e oferecer a toda mãe a liberdade para desfrutar da maternidade da maneira que deseja.
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Talvez a escolha do termo “proibido” seja forte. Podemos substituir por “mal visto”. Ninguém proíbe a proximidade, o carinho, entre mãe e filho. Mas que esse carinho causa estranhamento em muita gente e até desconforto em uma boa porção, isso é inegável! Se você acha que estou exagerando, considere só essa lista com as atitudes diametralmente opostas àquelas que o dr. González ofereceu:
- Ficar sempre no mesmo cômodo que a criança (inclusive levando-a para dormir em seu quarto).
- Dispensar o carrinho e usar um sling ou carregador.
- Ficar em casa nos primeiros anos, abrindo mão da carreira ou trabalhando de casa em meio período.
- Negar-se a viajar sem os filhos, optando por levá-los a viagens internacionais ou preferindo passar as férias em casa.
- Sair a três (ou mais) e não mais”a dois”, deixando para curtir os momentos a sós em casa quando a cria estiver dormindo.
Alguém duvida que esses comportamentos suscitariam olhares enviesados de estranhos, críticas de conhecidos e desconhecidos, palpites nada bem vindos e até mesmo discussões homéricas com parceiros e parentes?
Pois bem. Reflitam, questionem, e sintam-se livres para cuidar de seus filhos como manda a sua intuição e não as opiniões dos palpiteiros de plantão.
Até a próxima inspiração.