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Em defesa do quarto compartilhado

Onde seu bebê vai dormir?

Para a esmagadora maioria das pessoas que conheço, a resposta é automática: no quartinho dele, claro! Afinal, “o quarto do bebê” é um dos pilares da preparação para a chegada de um novo membro da família. Para muitas famílias, foi no quarto que investiram a maior parte da grana e das energias: pesquisas, revistas, peregrinações a lojas, talvez até um projeto com arquiteto bacana, marcenaria etc. No quarto, depositaram sonhos, esperanças, expectativas e magia. Encheram o armário de roupinhas cuidadosamente lavadas, sapatinhos de diversos modelos, presentes de familiares e de amigos, além de pacotes e mais pacotes de fraldas. Compraram ou folhearam revistas para escolher o tom certo do papel de parede ou da tinta, das cortinas e, claro, o kit berço mais lindo que o orçamento permitiu. Afinal, o berço é a peça central do quartinho – o ponto para onde os olhares se voltam, o móvel que dá o tom para o resto da decoração; é quase como se fosse o trono do pequeno príncipe ou da pequena princesa que está prestes a coroar a vida do casal.

Quarto de príncipe/ princesa

Quarto de príncipe/ princesa

Eu também sonho com um quartinho lindo, digno de revista, porém com toques modernos e coloridos que fazem parte do meu estilo. Gosto da estética escandinava – linhas retas, minimalistas, madeira clara ou laca colorida – mas também me pego sendo seduzida pela burguesinha romântica que vive dentro de mim, cuja preferência é por um quartinho provençal, rigorosamente executado por arquitetos, com direito até a cortinas em toile de jouy (de preferência, uma leitura moderna da estampa).

Quarto hipster/ escandinavo

Quarto hipster/ escandinavo

Mas essas fantasias não duram muito porque aí eu me vejo, invariavelmente, sempre, implacavelmente, pensando na criança. Será que esse bercinho escandinavo/ provençal é onde ele/ela vai dormir feliz e em segurança? Será que esses móveis lindos (altos, inacessíveis, restritivos) e esse esquema de cores sofisticado (monótono, padronizado) compõem o espaço mais adequado para uma pessoinha em desenvolvimento? E, talvez o mais relevante para fins desse post, será que colocar um bebê pequeno para dormir num quarto sozinho é a medida mais prática, sensata e conveniente para ele e para os pais?

O quarto do bebê é algo relativamente recente na história da humanidade. Antes de morarmos em casas relativamente grandes, em núcleos familiares comparativamente pequenos, as crianças dormiam com os pais quando pequenas e depois dividiam todas um cômodo da casa. Estudos indicam que bebês que dormem no mesmo cômodo que os pais – seja em cama compartilhada, num berço ou moisés acoplado ou num colchão no mesmo quarto – têm mais sucesso regulando sua respiração e temperatura, apresentam menos sinais de estresse e mamam mais. Dormir em proximidade aos pais também pode proteger da síndrome da morte súbita infantil

É importante frisar que há diferentes formas de dormir junto do bebê (ou, para usar o termo inglês, praticar o co-sleeping). A mais culturalmente aceita é colocar o bebê para dormir num berço no quarto dos pais. Outra forma bastante comum na Europa e nos EUA é acoplar um bercinho ou moisés à cama do casal (o móvel até ganhou o nome de “co-sleeper”). A terceira opção – para muitos considerada “radical” – é a “cama compartilhada”, em que o bebê dorme junto dos pais na cama de casal (em inglês usa-se o termo “family bed”). Cabe ao casal discutir as três opções e escolher a que melhor lhe convém – sabendo, claro, que isso pode mudar de um dia para o outro, dependendo das necessidades e demandas de cada membro da família. Em um próximo post, darei entrarei em detalhes sobre como praticar o co-sleeping com segurança e prazer, incluindo depoimentos de quem fez essa opção e dicas de produtos que podem facilitar essa escolha.

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Seja qual for o método adotado, dormir em proximidade dos cuidadores (no mínimo no mesmo quarto) tem inúmeras vantagens:

  • facilita a amamentação (a proximidade poupa tempo e incentiva a produção da ocitocina, que ajuda na produção do leite);
  • fortalece o vínculo ( os pais se sentem mais próximos e mais ligados ao bebê, que por sua vez ganha mais atenção e carinho);
  • promove a rápida resposta às necessidades fisiológicas e emocionais da criança (que são muitas e não seguem uma rotina); 
  • tranquiliza os pais (que, por estarem perto, sabem que o bebê está bem).

Infelizmente, a primeira coisa que vem à mente quando se discute o quarto compartilhado são as supostas desvantagens – entre elas, a crença de que contribui para bebês mais dependentes, que dificultará a transição para a própria cama/o próprio quarto, e que prejudica a vida sexual do casal. Eu não vou dizer que isso não é verdade. Só vou sugerir algumas perguntas em contrapartida:

  1. Desde quando um bebê pequeno, que não anda e não fala nem se alimenta sozinho, é independente? Colocá-lo sozinho num ambiente estranho, sem calor humano, contribuirá para sua independência/autonomia – ou somente para sua solidão e aceitação da solidão?
  2. É possível criar um filho sem passar por momentos difíceis de transição? O nascimento já não é uma transição? Não faria sentido diminuir o número de eventos de transição no início da vida para que essa primeira fase no relacionamento pais e filhos seja mais suave e prazerosa? O que impede você de promover a transição para o próprio quarto quando a criança estiver, de fato, mais autônoma (andando, falando, curiosa para explorar o mundo)?
  3. Você acha mesmo que sua vida sexual será tão intensa quanto antes do bebê nascer – independente de onde ele for dormir? Você tem sofá/futon/chuveiro/ outros cômodos na casa? Sabia que, enquanto dorme, seu bebê não vai nem saber que você e o seu parceiro estão se divertindo um pouquinho?

Para finalizar, deixo vocês com as palavras proferidas pelo sábio pediatra espanhol Carlos González na entrevista à edição portuguesa da revista Pais e Filhos “Há muitas críticas ao co-sleeping. Que prejudica a autonomia da criança, que estraga o casamento… Se não prejudica o marido, não vai prejudicar o bebê. Há muitas mulheres que dormem com os seus maridos e isso não prejudica a sua independência, o seu crescimento, não acontece nada.”

[Ah, mais uma coisa, só para deixar claro: não tenho nada contra os lindos quartinhos de bebê das revistas. Só não sei se eles são os lugares mais apropriados para o bebê fazer essa transição ao mundo extrauterino. Afinal, acho que os sons e os cheiros de seus pais serão muito mais reconfortantes que o charmoso kit berço que lhes custou tanto ;-)]

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Evolução, exterogestação e como sobreviver aos primeiros três meses

Você certamente conhece a teoria da evolução, mas já ouviu falar na teoria da exterogestação? Na verdade, as duas estão ligadas. Vou procurar fazer uma explicação sucinta dos conceitos, porque o que quero mesmo é falar da parte prática: como se adaptar aos temidos e temerários primeiros três meses da vida do seu bebê.

De acordo com os antropólogos, quando passamos a ser bípedes, muita coisa mudou. Andar ereto e caminhar em dois pés fez com que nossa bacia ficasse mais estreita e, para isso, os bebês passaram a nascer mais cedo, quando a cabeça ainda poderia passar pela bacia sem grandes riscos. O resultado disso é que os seres humanos passaram a nascer antes de estarem totalmente prontos ou maduros. Comparado a outros mamíferos, de fato o bebê humanos é extremamente… uh… atrasado (o termo científico é altricial). O bezerro mal nasce e já consegue andar, o golfinho nasce nadando e até um chimpanzé recém-nascido é mais comunicativo que um bebê humano. O bebê humano é molinho, não sustenta nem a própria cabeça, não tem coordenação motora, passa grande parte do seu tempo dormindo e é praticamente cego. Tudo isso porque o cérebro do bebê ainda está em desenvolvimento. Ao contrário dos outros órgãos, que vão crescer em tamanho, mas não em complexidade, o cérebro ainda tem muito a crescer (praticamente 400%) e a desenvolver. Somente as partes mais primitivas do cérebro – responsáveis pelas atividades que não controlamos conscientemente, os reflexos e atividades autônomas como respirar e digerir – estão “prontas” de fato.

É aí que entra a teoria da exterogestação. Como a própria palavra sugere, a exterogestação propõe que parte da gestação do bebê humano é conduzida fora do útero. O antropólogo Ashley Montagu foi quem apresentou o conceito que, recentemente, foi popularizado pelo pediatra americano Harvey Karp, que cunhou o termo “quarto trimestre”. Enquanto a teoria de exterogestação indica 9 meses de gestação fora do útero, o dr Karp fala somente dos primeiros três meses. Mas o propósito é o mesmo: reconhecer nessas criaturas extremamente dependentes e indefesas uma condição delicada de “não estar pronto”.

E, ao reconhecermos essa condição, podemos adaptar o nosso cuidado do recém-nascido levando isso em conta. Quais são as implicações práticas?

Vou fazer uma lista (como boa virginiana, adoro listas!):

O contato pele a pele é primordial

* Contato: O toque é o primeiro sentido a se desenvolver, é o mais primitivo que temos, junto com o equilíbrio. Por isso, o bebê deve ser acariciado, carregado, beijado e massageado sempre que possível. Estar nos braços da mãe ou do pai é aconchegante para o bebê, que se sente seguro assim. Estudos internacionais mostram que bebês que ficam em contato pele a pele (importantíssimo!) com a mãe (ou pai) regulam melhor os batimentos cardíacos e a temperatura e são menos estressados. O sling é um excelente acessório que satisfaz tanto a necessidade de contato sem afetar as outras principais necessidades do recém-nascido (dormir e comer). Ah, e é adotado por grande parcela das culturas não urbanas em todos os continentes.

* Dormir: Pode parecer que não, mas bebezinhos dormem muito (passam em torno de dois terços do dia dormindo!). E não adianta tentar impor uma rotina a um recém-nascido; seu cérebro não está capacitado para esse tipo de lição e, por estar em rápido desenvolvimento, o melhor é deixar o cérebro dele ditar a hora do sono. Pessoalmente,  não vejo muito sentido em colocar um recém-nascido para dormir num quarto sozinho à noite. Para mim, é uma questão de praticidade: ele vai acordar tanto durante a noite, para mamar ou simplesmente porque isso é o natural para ele, que você só vai se desgastar. Por isso, faça como grande parte da população mundial e leve-o para seu quarto num moisés ou bercinho ou pratique a cama compartilhada, colocando-o para dormir com você. [Não, não é perigoso; saiba mais no seguinte post]

Um berço que fica na lateral da cama do casal faz sentido, não?

* Comer: No útero, recebendo nutrientes via o cordão umbilical, seu bebê não tinha horário para comer. Tentar impor uma rotina quando ele nasce pode até ser bom para você – e se funcionar, ótimo!- mas definitivamente não é natural para o bebê, que tem seu próprio ritmo. Como seu cérebro primitivo está a todo vapor, ele está “programado” para fazer de tudo para satisfazer sua fome – primeiro com sinais sutis (virando a cabeça, mexendo a boquinha) e depois de maneira mais óbvia (chorando, berrando, urrando). E uma coisa é certa: o bebê não vai morrer de fome se você deixá-lo à vontade para mamar quando quiser. Praticar a amamentação em livre demanda (sem a ditadura do relógio) pode ser uma solução para tornar as mamadas menos estressantes e mais bem-sucedidas para vocês dois. Sem contar que ajuda muito na produção do leite!

* Barulho: Engana-se quem acha que o útero é um lugar silencioso. Sons de todos os tipos passam pelas paredes do útero (nem queira imaginar!). Por isso, bebês gostam de barulhos repetitivos, como o som de um secador, aspirador, rádio sem sinal ou o som que todos nós fazemos institivamente para calar um bebê chorão (sh…). Também vale a pena acrescentar que o som favorito dos bebês (sim, foi estudado!) é o som da voz de sua mãe. Então solte a língua!

* Movimento: De novo, o comportamento institivo de balançar o bebê tem a ver com reproduzir sua vida intrauterina. Mais um motivo para investir num sling e sair para fazer uma caminhada, dançar (devagarinho, claro) ou simplesmente fazer as tarefas da casa.

Vale frisar, para concluir, que essas não são regras e sim sugestões. Podem funcionar para você e para o bebê. Ou não. Mas lembre-se: o bebê humano pode até se adaptar a uma rotina rígida de mamadas e sonecas, e pode até ficar tranquilo sozinho por horas a fio, mas ele não evoluiu para isso. Portanto, não espere isso dele e tenha compaixão por suas necessidades, mesmo que pareçam impossíveis de satisfazer às vezes.

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