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Para quem escolheu amamentar: liberdade. Para quem torna isso difícil: tratamento. (GUEST POST)

Depois da polêmica fala do psicanalista Francisco Daudt no programa Encontros com Fátima Bernardes, percebi que longe de ter vencido esse preconceito, o Brasil parece caminhar para trás quando se trata da amamentação em público: o que antes era natural e inevitável, parece estar se tornando tabu, com o seio feminino ganhando, cada vez mais, uma conotação puramente sexual. Parece que até para coisas ruins estamos emulando os EUA… tsc tsc tsc.

Aproveitando a Semana Mundial do Aleitamento Materno 2014, resolvi então compartilhar com vocês o texto de outra psicanalista, essa sim empenhada em defender uma visão menos machista e mais pró-mãe do que o nosso amigo Francisco Daudt. Para ilustrar, algumas imagens contundentes. Aproveitem!

Mesmo quando praticado com discrição, olhares de reprovação ainda perturbam vacas que ousam dar a teta em público.

Mesmo quando praticado com discrição, olhares de reprovação ainda perturbam vacas que ousam dar a teta em público.

Para quem escolheu amamentar: liberdade. Para quem torna isso difícil: tratamento.

por Luzinete R. C. Carvalho, psicanalista

Vejo muitas pessoas, inclusive mães, falando que para evitar os olhares tortos ou comentários maldosos, bastaria que a mãe que amamenta se “preservasse” um pouco, que um simples paninho poderia resolver o problema.

A realidade é que quem assim pensa ou é a pessoa que não amamenta exclusivo, ou a que se privou de sair de casa, ou a que não amamenta na rua depois de uma certa idade do bebê, ou a que não sabe de fato o que é amamentar prolongadamente.

Quem assim pensa é, muitas vezes, quem nunca amamentou e nem nunca vai amamentar…

Para quem conseguiu amamentar só em casa, para quem conseguiu amamentar também em locais públicos com um paninho cobrindo a cabeça do bebê: ÓTIMO, que bom que deu certo.

Mas deixa eu explicar que uma mãe que escolheu amamentar exclusivamente, e em livre demanda para o sucesso da amamentação, também tem o direito e a NECESSIDADE de sair de casa.

Que a mãe que escolheu renunciar da mamadeira não pode se transformar em uma prisioneira dentro de casa, até que o bebê não precise mais mamar na rua.

E só quem amamentou um pouco mais de tempo sabe que é muito diferente amamentar um bebê de poucos meses e um bebê maior, curioso, que quer olhar ao redor, que quer olhar para a própria mãe, cheio de vida e que não quer um pano cobrindo sua cabeça.

E a escolha por amamentar um bebê “maior” não pode ser abandonada para aplacar a fúria e a hipocrisia da sociedade.

Uma sociedade que deturpa as coisas mais belas e puras, transforma tudo em objeto sexual, sem perceber depois o quanto isso fala negativamente sobre si mesma.

Sem perceber o quanto isso entrega sua ignorância e extrema limitação.

Quem escolheu a amamentação continuada, o está fazendo seguindo recomendações da OMS, da SBP, do MS, que indica a amamentação para até 2 anos OU MAIS, qualquer caixinha de leite no mercado trás esta preciosa informação.

Não ajuda nem um pouco dizer para uma mãe, que tanto se esforça e se dedica, que ela precisa “se cuidar”, que ela precisa “se preservar”, que ela “precisa se dar ao respeito”.

Uma mãe que escolheu amamentar seu filho, o fez pelos melhores e mais altruístas motivos, escolheu baseada em recomendações dos órgãos sérios já citados, escolheu pelo vínculo, pela alegria que é nutrir seu filho com seu próprio leite.

Qualquer pessoa com um mínimo de conhecimento e bom senso, se realmente quiser ajudar uma mãe que escolheu amamentar, JAMAIS dirá que ela é responsável pelo preconceito e assédio que pode sofrer.

Qualquer pessoa informada e com bom senso, se realmente quiser ajudar, tentará se livrar de seus próprios problemas em relação ao peito de uma mãe que amamenta, tentará se livrar de seus próprios preconceitos e ignorância.

Quem realmente quiser ajudar uma mãe que amamenta, apoiará que ela o faça em qualquer lugar e a qualquer hora, sem ser acuada ou agredida.

Se você se incomoda ao ver uma criança mamando, este é um problema só seu.

Você pode ter a dignidade de se retirar até que consiga superar seus problemas, até conseguir lidar de forma saudável com um peito alimentando uma criança.

Reflita.

Se necessário, procure ajuda, faça um tratamento, algum tipo de terapia.

Acredite: sua visão vai mudar e você descobrirá o quanto estava equivocado e o quanto pode ser feliz!

Ou você pode confessar o quão doente você é, de acordo com o tamanho da sua agressividade em relação a este assunto.

Mães: amamentem, eu lamento que sofram qualquer tipo de assédio ou preconceito, mas não se sintam só, não neguem a seus bebês o direito de serem alimentados com respeito e dignidade, insistam, persistam.

E não neguem a vocês mesmas o direito de sair de casa. Vocês precisam viver esta experiência com alegria e liberdade.

Peçam que os estabelecimentos lhes entreguem por escrito, em papel timbrado, quando a convidarem a se retirar com seu bebê.

Convidem as pessoas a fazerem sua refeição no banheiro ou em cubículos apertados e quentes, quando sugerirem que procure um lugar “adequado” para amamentarem seus bebês.

Diga para as pessoas cobrirem a própria vergonha quando sugerirem que cubram o peito escondendo a amamentação.

Informe com carinho e respeito na medida que forem tratadas com carinho e respeito.

Peçam ajuda a quem compreende.

Denunciem.

Tenham dentro de si a certeza de que não estão fazendo nada de errado.

Apenas saibam que o mundo inteiro é lugar para amamentar, já que o mundo inteiro é lugar para se amar.

Sim, a verdade é que amamentar é alimentar e amar um bebê.

Lembre-se que somente pelos filhos temos coragem de enfrentar qualquer coisa nesta vida, inclusive o preconceito.

Vamos mudar este mundo sim, com mais informação e com mais Amor.

 

Luzinete R. C. Carvalho é psicanalista, esposa do Renato e mãe do Francisco, que há quase cinco anos abre seu olhar, diariamente, para o encanto do mundo, da vida e dos seres humanos. Além de seu trabalho como mãe de Francisco, Luzinete contribui para a construção de famílias conscientes, integradas e felizes.

"Você comeria aqui?" é a pergunta provocadora da campanha "When nurture calls", criada pelos estudantes texanos Kris Haro e Johnathan Wenske.

“Você comeria aqui?” é a pergunta provocadora da campanha “When nurture calls”, criada pelos estudantes texanos Kris Haro e Johnathan Wenske.

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Lua de leite: o que, por que e como

posparto pintura (c) desconhecido

“Uma linda lua de leite para vocês”. Via de regra, esse é o meu desejo a toda mãe recém-parida. Mas acho que poucos entendem o que estou desejando (né?). Então, aproveitando o embalo de um post que estou escrevendo sobre o puerpério, resolvi falar um pouco sobre essa ideia e “vender o peixe” da lua de leite.

A função da lua de leite é simples: fortalecer o vínculo e minimizar o estresse. Da mesma forma que a lua de mel servia (serve ainda?) um propósito de iniciar o casal na vida a dois, afastando os dois das tarefas do dia-a-dia para que entrassem em sintonia um com o outro, a lua de leite cria um espaço para o casal (e eventualmente os irmãos mais velhos) se vincular(em) e ganhar(em) intimidade com o novo ser que chegou para compor a família. Para não me estender muito (mais do que o necessário), vou tentar ser didática, para que ninguém fique achando que lua de leite é sinônimo de levar o pequerrucho para Aruba ou Paris!

O que é, exatamente, uma lua de leite?
Trata-se de um período para viver intensamente a vinculação com o bebê, minimizando as atividades mundanas (sair, cozinhar, limpar a casa, socializar) e o contato com o mundo e o tempo “real”. A lua de leite envolve muito contato pele a pele entre o bebê e a mãe (e o pai), pouca atividade física e mental, e, claro, bastante leite materno, pois marca o início dessa relação que é amamentar. Como numa lua de mel, também convém esquecer o relógio e as rotinas para viver integralmente no presente.

Quanto tempo leva a lua de leite?
Não tem regra. Vai da necessidade e do perfil de cada família. Entre duas e quatro semanas me parece um bom ponto de partida.

Qual o sentido da lua de leite?
Ao diminuir as atividades supérfluas – isto é, tudo aquilo que não envolve atender às necessidades fisiológicas e emocionais do binômio mãe-bebê – a família vivencia esse início da relação com o filho de forma plena. A lua de leite libera a mulher da necessidade de entreter os outros, fazer comida ou arrumar a casa; no lugar disso, há repouso (na medida do possível), silêncio (idem), mergulho interior, contato verdadeiro. Essa intensidade também facilita o início do aleitamento: o contato pele a pele promove a liberação de ocitocina (hormônio do vínculo e da ejeção do leite), o peito em livre demanda (sem olhar a hora) aumenta a produção de leite, bem como a confiança e a habilidade da mãe, e o contato social reduzido diminui a chance de se expor a comentários que podem minar o processo delicado de amamentar. Como a lua de leite envolve se desligar um pouco do mundo externo, as pressões sociais são aliviadas, permitindo vivenciar a montanha-russa de emoções do puerpério sem a necessidade de se justificar nem fingir que tá tudo bem.

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Isso significa que não devo receber visitas nem sair nesse período?
Não. Claro que não. Mas a ideia é sim reduzir as visitas e as saídas para diminuir as cobranças sociais. Para a visita, uma boa regra é: a pessoa em questão pode te ver descabelada, na cama, pelada da cintura para cima ou de roupão? Existe intimidade e boa vontade na relação, de forma que você pode ficar tranquila se, por acaso, der uma descompensada básica (leia-se: se você for grossa ou histérica, ou se simplesmente resolver expulsar todo mundo dali)? Se a resposta for “sim” então a visita não atrapalhará. Quanto a sair, se der vontade e não for uma obrigação, ou se for necessário por motivos de saúde, não vejo por que não.

Preciso me preparar ativamente para a lua de leite?
Sim. Salvo exceções, a sociedade hoje não está preparada para acolher as mães nesse período. Dois exemplos  claros são a prática de separar o bebê na maternidade, levando-o para o berçário, e a expectativa cultural de receber visitas imediatamente após o nascimento. Ou seja, se você e o seu companheiro não forem pró-ativos, seu puerpério seguirá o padrão da nossa sociedade: bebê separado de vocês na maternidade, colocado em berços, bebês confortos e embalados em cueiros e mantas (ao invés de em contato pele a pele) nos primeiros dias e semanas, rotinas de cuidados e mamadas com horários fixos, visitas cheias de para entreter, pitacos de parentes e amigos, tempo de conexão mãe-bebê diminuído devido à obrigação de realizar tarefas domésticas etc.

Como me preparo para a lua de leite?
Antes do nascimento:

  • deixe refeições congeladas ou organize-se para que você não tenha que pensar em preparar ou comprar comida;
  • mande um e-mail para  amigos e parentes explicando o desejo de ficar a sós com o bebê no período de x dias após o nascimento, explicando os motivos, se quiser (inspire-se no modelo abaixo);
  • combine com a equipe médica (incluindo o pediatra!) que você faz questão do contato pele a pele e da amamentação na primeira hora de vida (se precisar de respaldo, lhes envie este link);
  • crie ou fortaleça sua rede de apoio – isto é, aquelas pessoas próximas, que respeitam o seu desejo e entendem a delicadeza do pós-parto, com quem você poderá contar para ir ao mercado, passar na farmácia, limpar sua casa, e que também estejam dispostas a ouvir sem julgar, dar um ombro para você chorar e fazer carinho quando mais precisa.

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Na maternidade:

  • fique em contato pele a pele com o bebê assim que ele nascer (antes de medir, pesar etc.);
  • permita que ele inicie a amamentação no tempo dele, antes de ser tirado do seu colo;
  • atrase o primeiro banho (acredite: o cheiro de um recém-nascido é algo que só pode ser comparado ao néctar dos deuses);
  • faça alojamento conjunto (i.e. evite o berçário);
  • deixe o seu companheiro/ acompanhante com a tarefa de ser o guardião da lua de leite – isto é, de proteger você e o bebê de serem separados, de evitar os protocolos do hospital que interferem na amamentação (complemento e bicos artificiais, por exemplo), de “barrar” visitas que não vão agregar.

Em casa:

  • fique peladona da cintura pra cima, com o bebê só de fralda ou pelado;
  • cheire a cria (lamber também vale!);
  • de novo, deixe o maridão ou outra pessoa da rede de apoio responsável por todo que envolve o mundo externo: telefonemas, tarefas domésticas, compras etc.
  • permita-se sentir, deixe as emoções fluirem;
  • tenha em mãos o telefone de uma doula pós-parto ou consultora de amamentação ou banco de leite, caso o bicho pegue;
  • confie… É punk, é enlouquecedor às vezes, mas é assim mesmo. Você sobreviverá.

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Espero que este post contribua para que você pense com carinho na possibilidade de viver uma lua de leite, para um início de maternidade suave (na medida do possível!), integral e com bastante leitinho e cheiro de bebê.

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O pessoal e o político: por que sou ativista da amamentação

 

Breastfeeding - we can do itAinda não sou mãe e, portanto, nunca dei de mamar. Mas sou filha, e só mamei leite materno até os 45 dias de idade, o que na época (final dos anos 70) estava bem dentro da média para filhos de mulheres urbanas, da região sudeste, com superior completo e renda familiar acima da média (pelo menos de acordo com este estudo). O fato de a minha mãe ser médica não a impediu de ter desistido da amamentação tão precocemente. Graças aos esforços de ativistas da amamentação, a partir de meados dos anos 80, os índices de aleitamento no Brasil começaram a melhorar. Meus irmãos mais novos se beneficiaram desses esforços e também da maior experiência da minha mãe. Ambos mamaram bem mais do que eu, embora muito menos do que os “2 anos ou mais” sugeridos pelo Ministério da Saúde e a OMS.

Mas ainda temos um longo caminho a trilhar. De acordo com a II Pesquisa de Prevalência de Aleitamento Materno nas Capitais Brasileiras e Distrito Federal, em 2009 somente 39,4% dos bebês da região sudeste mamaram exclusivamente leite materno até os primeiros 6 meses de vida. A média só teve amamentação exclusiva por 55 dias. Ou seja, a maior parte dos bebês brasileiros mamaram exclusivamente menos de dois meses (lembrando que a orientação é de 6 meses)!

Esses números significam que mais crianças estão sofrendo de alergias, infecções, dermatites, asma, otite e obesidade. Menos bebês estão atingindo seu potencial cognitivo. Mais crianças terão problemas de desenvolvimento imunológico e neurológico, inclusive TDA e autismo. Mais crianças terão problemas fonoaudiológicos, como gagueira e desenvolvimento da fala.

Não amamentar está implicado em todos os problemas citados acima. E isso não deveria causar espanto, visto que o bebê humano se desenvolve melhor com leite humano; outros leites, por mais bem feitos que sejam, podem gerar desequilíbrios ou deficiências. O que, claro, não significa que o bebê que mama esteja imune a esses males, e sim que o bebê que não mama corre riscos maiores.

Mas para mim, esses efeitos não são mais graves do que acontece com a mulher. Esses índices baixíssimos também revelam que mais mulheres estão acreditando que seus corpos são falhos e imperfeitos ou porque seu leite é insuficiente ou porque não “sustenta” seu bebê esfomeado (não é verdade!). Mais mulheres estão (literalmente) comprando a ideia de que as indústrias farmacêuticas e alimentícias fabricam leites quase perfeitos, capazes de se aproximar do maravilhoso leite humano que nossos corpos produzem naturalmente (é mentira!). Mais mulheres estão abrindo mão de uma atividade rara – algo experimentado poucas vezes numa vida, e só por nós mulheres! – , que une a nutrição, o amor, a comunicação, a emoção e a espiritualidade. Mais mulheres passaram a ver seus seios exclusivamente como objetos para atrair um homem (vide o número crescente de cirurgias plásticas para aumentar as mamas), esquecendo que neles também reside o poder de nutrir um outro ser humano.

Isso tudo me causa profunda tristeza e, por isso, não posso deixar de me expressar e de levantar a bandeira da amamentação. Para mim, é pessoal. E é também político, porque amamentar não é uma meta fácil numa sociedade que lança centenas de armadilhas para dificultar a vida das nutrizes e dos lactentes.

Como ativista, eu luto para que as mulheres tenham acesso à informação e ao apoio necessários para que possam atingir as suas metas pessoais de amamentação. (Um parêntese: Eu torço para que essas metas reflitam as recomendações do MS e da OMS, mas JAMAIS defenderia medidas que tirassem da mulher a liberdade de escolher como e por quanto tempo ela quer nutrir o seu bebê)

Informação como…

  • a importância de amamentar na primeira hora de vida e do contato pele a pele
  • saber reconhecer os mitos mais frequentes que minam a autoconfiança da mulher e atrapalham a sua experiência de amamentar (por exemplo: a rotina rígida de 3 em 3 horas pode diminuir a produção de leite)
  • entender as necessidades reais do bebê em cada fase de vida (por exemplo: sabia que o estômago de um recém-nascido no primeiro dia de vida é do tamanho de uma cereja e, no terceiro dia, de uma bolinha de ping pong?)
  • o que fazer para prevenir e tratar os problemas mais comuns

Apoio como…

  • licença maternidade de 6 meses
  • espaços de trabalho em que mães e bebês possam permanecer juntos
  • acesso a profissionais competentes, embasados, carinhosos
  • grupos de mães (reais e virtuais) para trocar experiências e oferecer suporte emocional
  • uma sociedade que enxerga o aleitamento como normal e belo

Enquanto ainda faltar informação e, principalmente, apoio pessoal, profissional e político para as mulheres que desejam amamentar, vestirei a minha camisa de Lactivista. Meu sonho é não precisar mais fazê-lo.

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Babywearing: o que é e por que vale a pena

A tradução literal do termo em inglês babywearing é “vestir o bebê”, mas não tem nada a ver com o ato de colocar roupas no pequerrucho; pelo contrário, é a mãe que coloca o bebê em si própria. Babywearing é o termo adotado lá fora para se referir ao uso de carregadores de tecido para levar o bebê sempre junto ao corpo, dispensando (ou minimizando) a necessidade de carrinhos, bebês confortos, cadeirinhas de balanço etc. É difícil traduzir o conceito, mas eu estou usando o termo “carregar no pano”.

O tradicional “mei tei” permite carregar o bebê na frente e nas costas.

Os carregadores de tecido vêm em muitos formatos – sendo o sling de argola e o wrap sling os mais conhecidos  – e seu uso, ao contrário do que advertem as velhinhas palpiteiras na fila do supermercado ou alguns pediatras desinformados, é super benéfico.

Este post pretende pontuar alguns desses benefícios e ilustrar o argumento com imagens de mulheres (e um homem muy especial) que adotam essa prática milenar, porém super atual. Com tantos estilos, modelos e formatos, é quase garantido encontrar um que combine com você.

Benefícios para o bebê

* Desenvolvimento postural: o recém-nascido tem a espinha dorsal naturalmente curvada e deitar com as costas retas não é fisiológico nem faz bem para ele. O bebê prefere ficar em posição de sapinho, como na imagem ao lado, pois é o natural para ele. Sem contar que bebês que ficam o tempo todo deitados numa superfície plana ficam com a cabecinha achatada, uma condição chamada plagiocefalia.

* Desenvolvimento emocional: o contato constante com a mãe melhora o vínculo, proporcionando mais relaxamento, menos estresse e crises de choro e mais autoconfiança. O contato pele a pele também diminui a percepção de dor.

* Reduz a cólica: seja pelo movimento constante, que lembra as condições uterinas, ou porque a posição mais vertical diminui a possibilidade de refluxo, bebês que são carregados sofrem menos de cólicas. Aliás, em culturas onde 100% dos bebês são carregados, não se ouve falar em cólica (um conceito exclusivamente ocidental).

Até os Jedis praticam o bem carregar ;-) [Luke Skywalker carregendo o ancião Yoda em O império contra ataca]

* Propicia um estímulo na medida e uma experiência mais ampla do mundo, visto que o bebê acompanha o adulto e não fica restrito ao berço, ao bebê conforto ou ao tapete de atividades. Ao lado da mãe, ele enxerga, escuta e sente o cheiro de uma grande variedade de coisas.

* Efeito canguru: se compreendemos que o bebê humano nasce “prematuro” mesmo estando a termo (veja o post sobre exterogestação), então o sling é o acessório mais útil para os primeiros meses. Vários estudos foram feitos mundo afora comprovando os benefícios fisiológicos do método canguru.

* Estimula o aleitamento: tão próximo da mãe (e ainda por cima do lado dos seios!), o neném mama com mais frequência, resultando em maior ganho de peso e mais saúde.

Benefícios para a mãe

A foto de Dolores García Rodriguez Dogaro dispensa palavras.

* Conveniência: sair de casa para comprar pão fresquinho, tomar um café com as amigas ou fazer uma caminhada não poderia ser mais simples do que colocar o neném no sling, pegar a bolsa e se mandar! Isso também vale para as tarefas e atividades domésticas.

* As horas passadas juntinhos permite a formação de um vínculo muito forte, o que dá à mãe muita autoconfiança, diminuindo o medo e a ansiedade, e reduzindo o estresse materno (levando, inclusive, a índices mais baixos de depressão pós-parto).

* A proximidade do bebê aumenta a ocitocina e facilita a descida do leite, contribuindo para a amamentação exclusiva. Sem contar que o pano do carregador serve como “proteção” contra olhares reprovadores de gente pudica e/ou machista que se incomoda com a amamentação em público. Ninguém nem vai perceber que você está amamentando!

* Carregar o bebê no sling ou carregador de pano distribui o peso de forma mais equilibrada, causando menos dor nos braços ou na coluna (depois de um tempo eles pesam e os braços não aguentam!).

Se esses argumentos e as fotos deslumbrantes não te converteram ainda, eis alguns motivos menos “científicos” – mas não menos convincentes – para experimentar o babywearing:

* Carregar o bebê também é uma forma de incentivar o vínculo do bebê com o pai. Já que o pai não amamenta e não desfruta de licença paternidade, carregar o recém-nascido é uma forma de fortalecer o vínculo com o filho. Se ele achar que isso não é coisa de homem, talvez essa foto o faça mudar de ideia:

Eu não prometi um homem especial?

* Carregar no pano – seja no sling de argolas, no wrap ou com carregadores ergonômicos tipo mochila (como o ErgoBaby)  – virou febre entre as celebridades – e não estou falando das “alternativas”. Você duvida? Pois olhe só:

celebrities babywearing

Channing Tatum de wrap elástico, Gisele Bundchen de mochila ergonômica e Marion Cotillard com um belo wrap de tecido rígido.

* O sling não é só para “artistas” ou “gente de vanguarda”: o exemplo que mais me inspirou foi esse da representante parlamentar italiana Licia Ronzulli. Saca só:

Poderosa como profissional e como mãe. Uau!

Espero ter mostrado aqui que babywearing não é coisa de “bicho grilo” e que adotá-lo poderá ser muito gostoso, prático e super “fashion”. Temos no Brasil uma variedade enorme de opções e a qualidade não deixa nada a desejar com os produtos estrangeiros. Você terá suas mãos livres e o seu bebê desfrutará e se beneficiará dos momentos de aconchego e também da experiência de estar aprendendo sobre o mundo do seu lado. O que pode ser melhor do que isso?

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SBP, Nestlé e como essa aliança afeta você (parte 3)

Agora que você já sabe que o “diagnóstico” de pouco leite é balela (na grande maioria dos casos) e que o leite artificial não deve ser a primeira opção caso você precise ou queira complementar, quero falar sobre duas crendices populares que  podem não ter surgido diretamente das empresas de leite, mas que contribuem para diminuir os índices de aleitamento materno. Resolvi incluí-los por que acho que precisamos nos conscientizar de sua existência para, só assim, combatê-los.

Mentira #3: Amamentar faz o peito cair

Um dos mitos mais enraizados sobre a amamentação costuma aparecer em comentários inocentes, tipo: “depois de amamentar 3  filhos, meu peito nunca mais foi o mesmo” ou “fulana amamentou e depois teve que colocar silicone”. A amamentação não faz o peito cair. O que faz o peito cair é a gravidade e, acredite, a gravidez. O crescimento das mamas, as mudanças hormonais e a predisposição genética (além do Tempo, claro!) são os culpados pela mudança na aparência dos seios. Até os cirurgiões plásticos já reconheceram isso!

Mentira #4: Quem pode se dar o luxo de escolher escolhe a mamadeira (versão politicamente correta de “amamentar é coisa de pobre”)

Releitura nefasta do clássico de Rafael, impresso ca. 1934

A indústria que produz leite artificial existe há mais de um século e está mais forte do que nunca. A urbanização gerou melhores sistemas de esgoto e água, as condições de higiene melhoraram,  e os antibióticos e tratamentos para controlar doenças estão cada dia mais eficazes, contribuindo para uma crescente segurança para usuários do LA. Ou seja, a fórmula pode piorar a saúde de uma criança, mas dificilmente irá matá-la. Com isso, a verdade é que amamentar tornou-se “opcional”.  Mas quem disse que é a opção menos atraente?

Vou dar o meu pitaco. Nesse mundo cada vez mais “tecnocêntrico”, onde produção, consumo e o acúmulo de bens são supremos, amamentar se tornou sinônimo de “antiquado” ou “primitivo”; chique e moderno é dar mamadeira. Isso é cultural e vai além da recente e crescente “masculinização” dos nossos valores. As raízes da crença irracional de que não amamentar é sinônimo de status estão nas práticas da antiga aristocracia, que delegava a alimentação de seus bebês para as amas de leite. O motivo dessa terceirização é complexo: por um lado, existiam crenças de que o sêmen contaminava o leite (ou seja, era proibido ter relações sexuais) e, as mulheres em condição de “servas do marido”, não podiam deixar os maridos “na mão” (literalmente!). Por outro lado, havia uma necessidade de gerar muitos herdeiros, e a amamentação exclusiva e prolongada reduzia a fecundidade. E assim, como é de praxe em toda cultura, o que antigamente era uma prática da elite virou “moda” e “desejo” das classes mais baixas.

Felizmente, a onda agora é outra: celebridades globais, modelos, atrizes, cantoras e princesas amamentam e se encarregam de levantar a bandeira da amamentação. Quem disse que amamentar é coisa de pobre, ou de hippie, ou de quem não tem escolha?

Bom, agora que já ficou nítido que o maior empecilho para a amamentação é a falta de informação confiável – em parte, por causa da força da indústria de LA, dos pediatras coniventes e dos mitos e crendices da sociedade como um todo – o que você pode fazer, efetivamente, para aumentar as chances de não cair na armadilha da “necessidade de complementação”  e se tornar cliente dessas empresas?

10 dicas para aumentar as chances de amamentar exclusivamente até os primeiros 6 meses

1. No final da gravidez, faça uma aula de amamentação, conheça o básico do processo, assista a vídeos instrutivos e comece a se preparar física e emocionalmente para amamentar um recém-nascido.

2. Encontre um pediatra favorável ao aleitamento materno exclusivo. Converse com ele ou ela antes de o seu filho nascer, para ver qual é  sua filosofia. Preste atenção em qualquer folheto ou brinde (caderno, lápis etc) com o logo de alguma empresa. Isso não é um bom sinal.

3. Não autorize o uso de complemento na maternidade. O leite demora mesmo a descer – 3 dias, aproximadamente – e a natureza é sábia. Ofereça o colostro e coloque o neném para mamar sempre que ele desejar (ou de acordo com a orientação da enfermeira ou da consultora). Sugiro também não marcar o seu parto. O ideal é parir naturalmente, mas, se não for essa sua preferência ou se não for possível, evite agendar a cesárea e entre em trabalho de parto. Isso aumenta as chances de o bebê estar em condições de sugar.

4. Proteja-se dos palpiteiros (mãe, sogra, tias, amigas) com informações embasadas e apoio de pessoas que acreditam na sua causa- de preferência “especialistas” (médicos, cientistas, OMS, consultor de amamentação). [Prometo escrever um manual sobre como se proteger dos palpiteiros de plantão em breve]

5. Se você faz o tipo consumista (como eu!), vá às compras e procure sutiãs, chás, blusas e produtos próprios para a amamentação. Não compre mamadeiras nem, obviamente, leite artificial.

6. Se o seu recém-nascido não estiver ganhando peso, entre em contato com um banco de leite da sua cidade e faça a complementação com sonda, para continuar a estimular a sua produção.

7. Saiba que é normal ter dificuldades no início. Tem mulher que acha tudo moleza; a maioria não. Se você pertence a essa segunda classe, não se desespere: com o apoio certo, uma boa dose de paciência e talvez um empurrãozinho da medicina, vai acabar engrenando. E quando isso acontecer, você terá muito orgulho de si.

8. Se você for voltar ao trabalho antes de o neném completar os 6 meses, invista numa bomba para tirar o leite e programe-se para tirar o leite no mês (ou meses) anteriores à sua volta. E não pare de amamentar: você pode continuar a oferecer o peito de manhã, na hora do almoço (se possível), quando voltar do trabalho e à noitinha.

9. Fique o máximo de tempo possível com o seu bebê no colo ou no sling. Isso aumenta o vínculo, a ocitocina e a produção de leite.

10. Trabalhe os seus demônios ; aprenda a perder a neura de amamentar em público, permita-se sentir prazer na hora das mamadas e reflita sobre quaisquer emoções que podem estar te travando ou incomodando.

Para resumir: Amamentar é um processo fisiológico e instintivo, mas vivemos numa sociedade em que muitas forças atuam para impossibilitar o que é natural e saudável. Se queremos mesmo praticar a amamentação exclusiva, é preciso abrir os olhos para as armadilhas e nos proteger do marketing desleal, do corporativismo, dos mitos e das “boas intenções” de quem não entende do assunto. Espero que essa série de posts tenha contribuído, de alguma forma, para esse despertar.

Leia também:

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SBP, Nestlé e como essa aliança afeta você (parte 2)

No último post, falei sobre a ligação entre pediatras e as empresas que fabricam leite artificial, cujas tentativas de vender seu produto como um bom substituto do leite materno foram surpreendentemente bem sucedidas, considerando várias provas do contrário, como risco maior de infecção, hospitalização, problemas respiratórios e gastrointestinais, otite e diabetes do tipo 1, entre outros. O marketing e as pesquisas constantes para aproximar o leite artificial do leite materno – meta que está muito longe de se realizar – acabaram por conquistar até mesmo a fonte de maior confiança de jovens mães e pais: o pediatra. Uma maneira em que os pediatras introduzem o leite artificial na dieta dos bebês – começando até mesmo no berçario – é legitimando mitos (ou indicando estratégias que fazem esses mitos se tornarem realidade). É deles que vamos falar nesta segunda parte.

Mentira #2: Pouco leite é uma condição real e comum na população

O “diagnóstico” de pouco leite leva muitas mulheres a substituírem o peito pela mamadeira. A constatação de que uma mulher “não produz leite suficiente”, além de falsa (na maioria dos casos), é muito cruel. A culpa vai toda para ela, com se seu corpo fosse “defeituoso”, quando, na verdade, costuma ser uma consequência de recomendações que prejudicam a amamentação. Existem casos raros de mulheres que de fato produzem pouco leite (hipoplasia mamária e alguns casos de cirurgia prévia de redução mamária são dois exemplos), mas a grande maioria das mulheres pode amamentar – mesmo que precisem complementar. O que elas precisam é de orientação adequada e apoio. Infelizmente, me parece que muitos pediatras – seja por falta de conhecimento, tempo ou por não acreditarem nos processos naturais – deixam a mulher na mão nessas horas.

Um dos motivos é simples: eles não são treinados para ensinar a amamentação às mães e nem têm tempo para esse tipo de orientação. Na faculdade e na residência o foco é em doenças e tratamentos, e não nos processos fisiológicos, naturais. Outro fator complicador é a busca pela eficiência; pediatras têm consultórios lotados, às vezes cirurgias e atendimentos hospitalares também, e não sobra tempo para sentar com cada mãe e dar dicas sobre amamentação. Por isso, acabam oferecendo uma receita de bolo, onde assumem que cada mulher é igual. Recomendam por exemplo, amamentar em horários fixos, o que não dá certo para muitas mães, que teriam mais sucesso se oferecessem o peito sempre que o bebê mostrasse sinais de fome (“livre demanda”), assim adequando a produção de leite às necessidades do bebê. Cada par mãe-bebê é único, com necessidades únicas, e o pediatra não consegue dar conta disso. E quando a mulher esbarra em problemas, como dor, bico rachado, mastite, a primeira recomendação de muitos pediatras é entrar com o complemento porque é a solução mais rápida.

Vendedoras disfarçadas de enfermeiras num hospital da África do Sul (ca. 1950)

A segunda razão é menos “inocente”. É onde entram os produtores de leite artificial. Trata-se da influência direta dessas empresas para boicotar a amamentação. Hoje em dia, por causa dos esforços de órgãos importantes de saúde pública, há leis que protegem a sociedade desse tipo de marketing, e muito do que foi feito antigamente é proibido. Mas, só para você ter uma ideia, até o fim dos anos 80 era comum distribuir latas gratuitas de leite às mães de recém-nascidos (iniciando o efeito “bola de neve”, que descreverei a seguir) e, nas décadas de 50 a 70, a Nestlé colocava representantes vestidas de enfermeira para fazer demonstrações dos produtos dentro dos hospitais. Inacreditável? Veja as fotos!

Hoje, para não desafiar as leis, essa influência é mais sutil: os pediatras fazem “cursos de treinamento” ou recebem “dados científicos” diretamente de empresas como Nestlé, Abbott, Mead Johnson etc. Um exemplo engenhoso é a tabela usada para avaliar como os bebês crescem no primeiro ano de vida. Baseada em pesquisas patrocinadas por fabricantes de LA,  essa tabela, usada por muitos pediatras, traz dados do crescimento de bebês americanos (caucasianos) alimentados por fórmulas a base de leite de vaca (que é mais gordo que o leite humano). Ou seja, de acordo com a tabela, bebês alimentados no seio aparentam estar abaixo do peso, quando, na verdade, a base da pesquisa é que é tendenciosa a favor do aleitamento artificial. Com uma “norma” tão anormal, não é de se espantar que tanta gente “precise” entrar com o complemento.

Uma ação rotineira e prejudicial do pediatra é prescrever LA ao recém-nascido já no berçário. Infelizmente, isso se tornou comum hoje em dia, especialmente (mas não exclusivamente) no caso de bebês que foram nascidos antes da hora (pré-termo), e pode prejudicar a amamentação. Primeiro porque o bebê corre o risco de não ter muita força para mamar. Segundo porque os hormônios da mãe ainda não estão agindo com força total e o leite pode demorar mais para descer. E terceiro porque o peso que aquele bebê naturalmente perderia nos primeiros dias não existe (ele nasceu antes de engordar essas 100-300g adicionais) e, para não perder peso demais, o pediatra recomenda o complemento. Assim começa o efeito bola de neve.

O efeito bola de neve funciona assim: tomando o complemento, o bebê mama menos; mamando menos, a produção da mãe cai, levando-a a aumentar a quantidade de complemento, e por aí vai, até ela desistir de vez e terminar oferecendo o LA em tempo integral, frustrada e culpada por “não ter conseguido” fazer o melhor para seu filho. Para piorar a situação, ela sai por aí falando que “teve pouco leite”, propagando esse mito quando, na verdade, o problema pode ter sido a indicação inicial de iniciar o complementação com LA. Claro que há bebês que de fato crescem pouco ou perdem muito peso e precisam de uma ajudinha – mas dificilmente esse fenômeno seria tão comum como é atualmente se as mulheres recebessem uma boa orientação. No entanto, esse quadro de “pouco leite” que acaba em “meu leite secou” é o sonho da Nestlé. O que essas empresas querem é que a amamentação não dê certo, que você não consiga. E são elas que estão patrocinando cursos, viagens e livros para o seu pediatra. Dá pra aceitar uma coisa dessas?!

Mas não se desespere. É possível se precaver desse, e de outros, mitos. Abordarei mais alguns mitos na terceira parte e, por fim, apresentarei uma lista de dicas para quem quer atingir a meta de amamentar naturalmente, sem “precisar” dar dinheiro para a Nestlé (ou qualquer outra empresa) na compra de LA.

 

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SBP, Nestlé e como essa aliança afeta você (parte 1)

Há uma semana, entrei no site da SBP (Sociedade Brasileira de Pediatria) e dei de cara com o logo da Nestlé. Fiquei tão indignada que estou com um gosto amargo na boca até hoje. Esse patrocínio de difícil digestão é de uma incoerência, uma cara de pau e um mau gosto tão grotescos que decidi escrever meu primeiro post com teor “político”. Como o assunto é muito abrangente e complexo, será separado em partes. Não quero usar o blog para desabafos nem para levantar bandeiras, mas, nesse caso, foi impossível ficar calada.

Porque eu sei de tudo o que a Nestlé (entre outras) já fez e continua fazendo em desserviço à amamentação no Brasil e no mundo. E sei que a saúde infantil não é do interesse deles. Se fosse, não estariam vendendo leites artificiais e sim promovendo a amamentação; não estariam comercializando comidas a base de farinha e açúcar e sim divulgando os benefícios de uma nova maneira de alimentar nossas crianças; não estariam incentivando o “fast food infantil” (i.e. potes de alimentos triturados) e sim soluções para oferecer comidas de verdade, frescas e vivas, para seres humanos em desenvolvimento. A verdade é que a missão dos fabricantes de fórmula infantil (lucrar com a venda de alimentos processadas) é totalmente contrária aos objetivos da SBP, que é, ou deveria ser, zelar pela saúde das crianças brasileiras.

Já imagino os protestos: “Ah, ‘pera lá, Clarissa, não precisa demonizar a Nestlé. Afinal, vivemos numa sociedade capitalista e não há nada de errado em enxergar uma “demanda” por leite artificial e correr atrás desse mercado. E a Nestlé fabrica um produto que salva vidas de bebês que não podem amamentar.” Sim, sim, aceito a premissa capitalista e acredito (bom, tento acreditar) que essas empresas se empenham para oferecer um produto de qualidade para seus consumidores. O problema é a questão da demanda. Porque a Nestlé (e outras empresas, mas ela primordialmente) não simplesmente enxergou uma demanda existente (no caso, bebês ou mães que não conseguiam amamentar): ela ativamente criou essa demanda, convenceu os pediatras a legitimá-la e fomentou mitos como “o leite artificial é um substituto adequado ao leite materno”, “pouco leite é um problema real” e “amamentar é um estresse desnecessário na vida da mulher moderna”.

Mas antes, como sei que corro o risco de ser taxada de “xiita da amamentação”, quero deixar bem claro o seguinte: sou a favor do direito de optar pelo aleitamento artificial. Preparado da maneira correta, com mamadeiras e bicos higienizados, o leite artificial é seguro e, portanto, é uma escolha aceitável para quem não pode ou prefere não amamentar. Mas o direito de optar pressupõe acesso a informação correta e de confiança; caso contrário, é uma imposição disfarçada de “escolha”. Em outras palavras, a opção pelo aleitamento artificial não pode ser o resultado de mitos, mentiras ou falsas indicações médicas. Mas a realidade é justamente essa: um campo minado de mitos e mentiras, compradas inclusive por alguns pediatras (cortejados e seduzidos pelos fabricantes de leite artificial) e pela sociedade como um todo. Infelizmente, como pretendo mostrar, a Nestlé e as outras empresas (com o apoio da classe médica) venderam para o público informações enganosas. O propósito dessa série de posts é falar sobre o aspecto econômico e político da amamentação e, por fim, oferecer algumas dicas para que você não se torne vítima de uma situação que enche os bolsos dos acionistas dessas empresas e dos pediatras que os apoiam.Vamos por partes.

Mentira #1: o leite artificial é um bom substituto do leite materno

Desde que foi criado o processo de fabricação de leite em pó, empresas como a Nestlé buscaram um público para sua invenção – entre seus consumidores em potencial, jovens mães querendo ou precisando, especialmente por razões econômicas, se libertar da “árdua tarefa” de amamentar. O primeiro passo era vender a ideia de que seu produto era seguro e adequado. Anúncios como este de 1903 sugeriam que o alimento desenvolvido pela Nestlé produzia bebês fortes e rechonchudos que se tornariam “os trabalhadores do futuro”. O que esses anúncios não mostravam (óbvio) é que, na época, 20% dos bebês que tomavam essas fórmulas não sobreviviam ao primeiro ano de vida (comparado a 3% para bebês que mamavam no peito). Felizmente, desde então, práticas de higiene melhoraram e as empresas investiram muito para aprimorar seu produto. Mesmo assim, a mortalidade infantil de bebês que não tomam leite materno é duas vezes maior que a de bebês que mamam exclusivamente no peito – e esse é o índice para países desenvolvidos.

Mas isso não impede os fabricantes de leite artificial de tentarem convencer o público do valor de seu produto. A cada descoberta das propriedades incríveis do leite humano, as empresas correm para tentar incorporar novos benefícios a sua fórmula; recentemente, foram os ácidos graxos essenciais e os probióticos. Tudo isso para que nós, começando pelos pediatras, compremos a ideia de que o leite artificial (LA) é “quase tão bom quanto” o leite materno (LM). As empresas fabricantes de LA querem que a gente acredite que, se o LM representasse a nota “10”, o LA seria um “9”. Desculpa, mas isso não é verdade. Há uma diferença enorme entre ser “adequado” e ser “quase tão bom quanto”. O leite artificial é apenas adequado. Ele não chega aos pés do leite materno humano. O leite artificial pode engordar seu bebê e fazê-lo crescer e se desenvolver bem, mas é apenas adequado. Além de conter substâncias que não são próprias para bebês humanos (a proteína do leite de vaca), não  é um alimento vivo, não responde às necessidades particulares daquele bebê naquele momento e não contém uma série de substâncias que protegem e melhoram sua saúde (anticorpos, células-tronco, bactérias benéficas, entre outras substâncias que ainda serão descobertas). Portanto, o leite artificial é apenas um pobre substituto do leite humano. Se eu tivesse que dar uma nota, seria “6” – dá pra passar de ano, mas não é lá grandes coisas. Saiba que a Organização Mundial de Saúde recomenda fórmulas infantis somente como uma quarta opção, depois do leite direto do seio materno, o LM oferecido em copinho ou mamadeira, e o leite de outra mulher via bancos de leite materno ou ama de leite. E o seu pediatra, diz o mesmo?

Pense nisso, espalhe a notícia dessa aliança e, se quiser saber mais sobre as táticas da Nestlé e de suas concorrentes, dá uma espiadinha nesse texto (em inglês). Prometo publicar a parte 2 em breve.

 

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Cinco razões para amamentar (e não são as que você imagina)

amamentar vale a pena

Ok, você já sabe que o aleitamento materno é melhor para o bebê por causa dos anticorpos, dos nutrientes , do vínculo especial que proporciona. E você provavelmente também já leu que amamentar é benéfico para a mulher, protegendo-a do câncer de mama,da osteoporose e do mal de Alzheimer. Certo? Este post não falará desses benefícios imensos e irrefutáveis à saúde (materna e infantil) e sim de algumas outras vantagens que, por serem menores e menos significativas (talvez até fúteis), podem passar despercebidas. Mas na hora das dificuldades – da frustração, do bico rachado, da sogra que não vê problema em dar mamadeira “de vez em quando”, da mastite, do bebê que “não ganha peso (conforme a curva de crescimento)” – talvez essas razões façam toda a diferença.

1. Praticidade

Um dia ouvi a mãe de uma amiga dizer “dar mamadeira é tão prático”. Precisei de toda a minha força de vontade para não dar uma resposta atravessada. Foi mal, mas o que pode ser mais prático do que levantar/baixar a blusa? Eu sou preguiçosa. Odeio lavar louça, arrumar a casa, fazer compras de mercado. Sorte que tenho um marido super organizado e maníaco por limpeza (infelizmente, não consegui escapar das compras de mercado). Multiplica por mil a bagunça e as tarefas quando tiver uma bebezinha em casa – só de pensar me dá preguiça! Amamentar é a opção perfeita para os preguiçosos. Não tem que montar a mamadeira, esquentar a água, medir, misturar, e depois lavar, esfregar, esterilizar e guardar a parafernália toda- de 8 a 12 vezes ao dia! Não tem tralha para ocupar espaço no armário, não tem que se preocupar com o cachorro querendo usar a mamadeira como brinquedo… O primeiro mês ou dois de adaptação pode até dar bastante trabalho, mas imagina quanto tempo e energia você economiza no longo prazo não tendo que lavar, esterilizar, guardar, comprar leite em pó etc.?

2. Dinheiro

E por falar em economia… Já é batido afirmar que ter um filho hoje em dia custa caro. Tudo bem, não tem como negar. Mas alguns gastos são opcionais. O aleitamento artificial é um negócio muito lucrativo para fabricantes de leite e mamadeiras. Cada lata de leite (e serão necessários umas 6-10 por mês) custa entre 16-25 reais – mais ainda se o seu filho tiver alergia à caseína (a proteína do leite de vaca) e precisar tomar um leite especial ou de soja. Mamadeiras boas também não são baratas. E aí acrescenta o esterilizador, a escovinha para lavar mamadeiras e bicos, o medidor, a bolsa especial (talvez até térmica) para sair com esses acessórios todos… Eu estimo que alimentar com leite artificial, somente nos primeiros 6 meses de vida do bebê, represente um custo total de R$1.500,00 (no barato). E olha que não estou nem contando as possíveis visitas adicionais ao pediatra (porque bebês amamentados com leite artificial adoecem mais) e o custo de pegar o carro para comprar mais leite. Tô fora! Prefiro gastar minha grana com algo que tenha mais valor.

3. Paladar

Eu adoro comer. Venho de uma família de gourmets e quero que meus filhos também sejam assim, bons de garfo e com um paladar afiado (para não dizer refinado). Você sabia que, através do seu leite, sua bebê sente o gostinho das comidas que você comeu? Como no útero ela sentia cheiros e gostos pelo líquido amniótico, faz sentido imaginar que a evolução natural disso seria ela experimentar e ser exposto a novos sabores pelo leite materno. Pense numa bebê que recebe, nos primeiro seis meses de vida, um único leite, preparado sempre de forma igual, sempre com o mesmo gosto. Coitada! Que monótono que deve ser. Eu não faço isso nem com o meu cachorro! Mesmo comendo ração diariamente, sempre oferecemos uma frutinha, acrescentamos cenouras picadas ou um caldinho que sobrou de carne para que ele tenha esse prazer. Seria loucura não oferecer esse mesmo prazer para minha filha.

mamar é tudo de bom

4. Bem estar

Há muito tempo comprovou-se que a depressão pós-parto tem um efeito negativo na amamentação: ou seja, mães deprimidas encontram mais dificuldades dando o peito e, frequentemente, acabam mudando para o leite artificial. Agora, uma hipótese interessantíssima foi levantada por pesquisadores da universidade de Albany, nos EUA, que a relação pode ser uma via de mão dupla: não amamentar pode desencadear sintomas de depressão. A explicação seria de origem evolutiva, já que, historicamente, nossas ancestrais só não amamentava em caso de tragédia e o não-amamentar seria interpretado como uma espécie de luto. Se a tese tem fundamento científico não sei. Foi um estudo pequeno. Mas eu não tenho dúvida de que amamentar e bem estar andam juntos (e não só por que rimam). Seja por motivos biológicos e evolutivos ou psicológicos e modernos, poder oferecer o próprio leite para seu filho deve trazer uma satisfação ímpar.

5. Superpoderes

O que me leva à última e, para mim, a principal razão pela qual eu, Clarissa, pretendo fazer de tudo para amamentar pelo maior tempo possível. Porque é um superpoder! Quem mais pode dizer que tem uma fábrica de leite dentro do próprio corpo? Tá, todos os mamíferos, mas os bichos não falam: só quem pode gritar isso aos quatro ventos são as mulheres que, por um curto período de suas vidas, amamentam. Isso é foda! É incrível! É do cacete! Você pode achar que estou exagerando, mas eu não consigo deixar de ver a magia e o milagre de termos esse poder. Eu acho que manter o foco nessa coisa linda, a perfeição da natureza e o dom de poder dar vida a um outro ser simplesmente por existir, vai me dar todas as forças necessárias para superar as dificuldades que podem vir a ocorrer.

E você, quais são as suas razões para amamentar (ou não) o seu bebê?

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Evolução, exterogestação e como sobreviver aos primeiros três meses

Você certamente conhece a teoria da evolução, mas já ouviu falar na teoria da exterogestação? Na verdade, as duas estão ligadas. Vou procurar fazer uma explicação sucinta dos conceitos, porque o que quero mesmo é falar da parte prática: como se adaptar aos temidos e temerários primeiros três meses da vida do seu bebê.

De acordo com os antropólogos, quando passamos a ser bípedes, muita coisa mudou. Andar ereto e caminhar em dois pés fez com que nossa bacia ficasse mais estreita e, para isso, os bebês passaram a nascer mais cedo, quando a cabeça ainda poderia passar pela bacia sem grandes riscos. O resultado disso é que os seres humanos passaram a nascer antes de estarem totalmente prontos ou maduros. Comparado a outros mamíferos, de fato o bebê humanos é extremamente… uh… atrasado (o termo científico é altricial). O bezerro mal nasce e já consegue andar, o golfinho nasce nadando e até um chimpanzé recém-nascido é mais comunicativo que um bebê humano. O bebê humano é molinho, não sustenta nem a própria cabeça, não tem coordenação motora, passa grande parte do seu tempo dormindo e é praticamente cego. Tudo isso porque o cérebro do bebê ainda está em desenvolvimento. Ao contrário dos outros órgãos, que vão crescer em tamanho, mas não em complexidade, o cérebro ainda tem muito a crescer (praticamente 400%) e a desenvolver. Somente as partes mais primitivas do cérebro – responsáveis pelas atividades que não controlamos conscientemente, os reflexos e atividades autônomas como respirar e digerir – estão “prontas” de fato.

É aí que entra a teoria da exterogestação. Como a própria palavra sugere, a exterogestação propõe que parte da gestação do bebê humano é conduzida fora do útero. O antropólogo Ashley Montagu foi quem apresentou o conceito que, recentemente, foi popularizado pelo pediatra americano Harvey Karp, que cunhou o termo “quarto trimestre”. Enquanto a teoria de exterogestação indica 9 meses de gestação fora do útero, o dr Karp fala somente dos primeiros três meses. Mas o propósito é o mesmo: reconhecer nessas criaturas extremamente dependentes e indefesas uma condição delicada de “não estar pronto”.

E, ao reconhecermos essa condição, podemos adaptar o nosso cuidado do recém-nascido levando isso em conta. Quais são as implicações práticas?

Vou fazer uma lista (como boa virginiana, adoro listas!):

O contato pele a pele é primordial

* Contato: O toque é o primeiro sentido a se desenvolver, é o mais primitivo que temos, junto com o equilíbrio. Por isso, o bebê deve ser acariciado, carregado, beijado e massageado sempre que possível. Estar nos braços da mãe ou do pai é aconchegante para o bebê, que se sente seguro assim. Estudos internacionais mostram que bebês que ficam em contato pele a pele (importantíssimo!) com a mãe (ou pai) regulam melhor os batimentos cardíacos e a temperatura e são menos estressados. O sling é um excelente acessório que satisfaz tanto a necessidade de contato sem afetar as outras principais necessidades do recém-nascido (dormir e comer). Ah, e é adotado por grande parcela das culturas não urbanas em todos os continentes.

* Dormir: Pode parecer que não, mas bebezinhos dormem muito (passam em torno de dois terços do dia dormindo!). E não adianta tentar impor uma rotina a um recém-nascido; seu cérebro não está capacitado para esse tipo de lição e, por estar em rápido desenvolvimento, o melhor é deixar o cérebro dele ditar a hora do sono. Pessoalmente,  não vejo muito sentido em colocar um recém-nascido para dormir num quarto sozinho à noite. Para mim, é uma questão de praticidade: ele vai acordar tanto durante a noite, para mamar ou simplesmente porque isso é o natural para ele, que você só vai se desgastar. Por isso, faça como grande parte da população mundial e leve-o para seu quarto num moisés ou bercinho ou pratique a cama compartilhada, colocando-o para dormir com você. [Não, não é perigoso; saiba mais no seguinte post]

Um berço que fica na lateral da cama do casal faz sentido, não?

* Comer: No útero, recebendo nutrientes via o cordão umbilical, seu bebê não tinha horário para comer. Tentar impor uma rotina quando ele nasce pode até ser bom para você – e se funcionar, ótimo!- mas definitivamente não é natural para o bebê, que tem seu próprio ritmo. Como seu cérebro primitivo está a todo vapor, ele está “programado” para fazer de tudo para satisfazer sua fome – primeiro com sinais sutis (virando a cabeça, mexendo a boquinha) e depois de maneira mais óbvia (chorando, berrando, urrando). E uma coisa é certa: o bebê não vai morrer de fome se você deixá-lo à vontade para mamar quando quiser. Praticar a amamentação em livre demanda (sem a ditadura do relógio) pode ser uma solução para tornar as mamadas menos estressantes e mais bem-sucedidas para vocês dois. Sem contar que ajuda muito na produção do leite!

* Barulho: Engana-se quem acha que o útero é um lugar silencioso. Sons de todos os tipos passam pelas paredes do útero (nem queira imaginar!). Por isso, bebês gostam de barulhos repetitivos, como o som de um secador, aspirador, rádio sem sinal ou o som que todos nós fazemos institivamente para calar um bebê chorão (sh…). Também vale a pena acrescentar que o som favorito dos bebês (sim, foi estudado!) é o som da voz de sua mãe. Então solte a língua!

* Movimento: De novo, o comportamento institivo de balançar o bebê tem a ver com reproduzir sua vida intrauterina. Mais um motivo para investir num sling e sair para fazer uma caminhada, dançar (devagarinho, claro) ou simplesmente fazer as tarefas da casa.

Vale frisar, para concluir, que essas não são regras e sim sugestões. Podem funcionar para você e para o bebê. Ou não. Mas lembre-se: o bebê humano pode até se adaptar a uma rotina rígida de mamadas e sonecas, e pode até ficar tranquilo sozinho por horas a fio, mas ele não evoluiu para isso. Portanto, não espere isso dele e tenha compaixão por suas necessidades, mesmo que pareçam impossíveis de satisfazer às vezes.

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