O parto também é do homem

(c) First Light Birth Photography, Nova Zelândia

(c) First Light Birth Photography, Nova Zelândia

Que a mãe e o bebê são os atores principais do parto e do nascimento não está em discussão. Mas o homem, parceiro daquela mulher, pai daquele bebê, também tem uma oportunidade ímpar de vivenciar esse momento de forma única e visceral, se for o que deseja. Ainda que relatos de partos pelo ponto de visto do homem sejam raros na mídia impressa e na blogosfera, eles estão começando a pipocar, bem como blog voltados especificamente a pais e futuros pais (o meu favorito é o Paizinho Vírgula, que traz o ponto de visto de um pai, e de uma família, buscando uma criação muito mais amorosa, gentil e alinhada com com as necessidades do filho do que se encontra hoje em dia- vale a pena conferir!).

Mas, voltando ao assunto do dia, como estou um pouco enferrujada na escrita, após meses sem escrever nem publicar nada (eu sei, podem me crucificar; foi preguiça e falta de vergonha na cara mesmo!), resolvi aproveitar o Dia Internacional do Parto em Casa para fazer algo um pouco diferente: em vez de falar sobre os mitos do parto domiciliar (como já fiz aqui) ou comemorar a conquista de várias mulheres que conheço através desse vídeo aqui, resolvi que prestaria minha homenagem aos homens que bancaram essa escolha e compartilhar com vocês o relato de um parto domiciliar planejado contado por um pai, o João Valadares, de Lajedo, PE. Leitoras, chamem seus parceiros e tragam lencinhos! Lá vai:

*

Parto de homem. É sobre isso que quero falar. E é para eles que escrevo. Então vou começar do começo. Ela estava no avião, foi ao banheiro e me telefonou: “estou grávida”. Não teve tempo de falar mais nada. As portas já estavam em automático. Desligou. Fui buscá-la no aeroporto e, no caminho para o laboratório mais perto, completou a frase interrompida pela aeromoça: “quero ter o nosso filho em casa”. A cabeça dura-sertão do macho pernambucano, dos miolos encaretados pelo sol, desinformado e suposto senhor da ações, travou. “Em casa? Você é maluca?”. Ela não falou mais nada. Nem eu. Segui calado, com aquela angústia-catapora, que faz tudo coçar por dentro.

No outro dia, comecei a pesquisar sobre nascer em casa. Em apenas um dia, li muito. Um turbilhão gigantesco de informações. No outro dia, li mais ainda. E assim seguiu. Fui a todos os encontros e consultas. Ouvi depoimentos lindos sobre o nascimento. Escutei também um relato de uma mulher decepcionada, pessimamente atendida num hospital público de Brasília porque apenas queria que o filho nascesse na hora que ele quisesse nascer. Ouvi muito mais. Com três meses de gestação, não tinha absolutamente mais nenhuma dúvida. Meu filho nasceria aqui, no seu quarto, com o cheiro da nossa casa, num ambiente afetuosamente preparado para tentar parecer o escurinho quente da morada onde viveu por nove meses. E assim aconteceu.

Mulher foi feita para parir. Homem não. Mas homem também foi feito para sentir. E o parto em casa me proporcionou isso. Eu pari junto. Eu e Cecilia viramos um só dentro da água. É sobre isso que quero falar. Sou um homem que senti o corpo da minha mulher tremer a cada contração. Sou um homem que senti os músculos da minha mulher esticar e relaxar numa dança perfeita. Sou um homem que emprestei meu corpo para minha mulher beliscar e aliviar a dor do nascimento. Choramos muito. Ela de dor. Eu de outro tipo de dor. Parimos.

É isso. Eu não estava num baby-lounge, longe do meu filho, olhando tudo por uma televisão. Também não estava separado por um pano verde, impossibilitado de perceber o olhar do meu filho na primeira vez que viu o mundo. Eu estava ali, do lado, sentindo e vendo a natureza no seu estágio mais verdadeiro. Vendo minha mulher virar um bicho, gritando e se contorcendo para proporcionar ao nosso filho uma chegada sem nenhum tipo de intervenção. Uma chegada sem luz forte no rosto, sem mãos estranhas, sem aquela higienização terrorista de manual, sem a impessoalidade de um quarto frio com objetos que não são nossos, que não foram colocados por nós.

Desajeitado que sou, descobri que sei fazer massagem. Ah como foi bom perceber o alívio imediato quando apertava as costas de Cecília e ela mudava de som. Fiz isso por duas horas seguidas. Na verdade, posso dizer que era uma espécie de automassagem. Quando percebia que, de alguma maneira, era ator ativo do parto da minha mulher, do nosso parto, descobri que era mais do que pai. Muito mais.

Não escrevo para encorajar mulheres. Escrevo para encorajar os homens. Se puderem, passem por isso. A experiência mais incrível de toda minha vida. Francisco demorou cinco horas para nascer. Não houve nenhum tipo de intervenção. Ninguém sequer tocou em Cecília. Ele nasceu quando queria nascer. Passou dez minutos com a cabeça dentro da água. Ninguém o puxou. A natureza o empurrou quando achava que deveria empurrar. E ele saiu direto para os nossos braços. Ficamos ali por uns 20 minutos acarinhando o nosso filhote, tentando ainda entender como uma pessoa sai de dentro de outra. E foi lindo. Esperamos a placenta sair, cortamos o umbigo e pronto. Cecilia se levantou, eu me levantei e fomos conversar na cama. Ficamos ali por horas, olhando o nosso filho. O melhor: na nossa casa.

Nada disso seria possível sem as parteiras incríveis Ana Cyntia Paulin Baraldi e Iara Silveira. Sem o auxílio de Carmen Palet, a mulher que ensina a coisa mais simples da vida: respirar.
Nada disso seria possível sem eu e Cecilia.

*

Feliz Dia Internacional do Parto em Casa, João e Cecilia! Obrigada por nos presentear com essas palavras tão doces, que nutrem nossas esperanças e nossa crença numa experiência de parto e nascimento muito mais sublime, muito mais humana.

Para quem quer mais relatos de pais incríveis, veja também o relato do nascimento do Dante e esse belo texto sobre o papel do pai no pós-parto. Prometo não demorar nove meses para publicar o próximo texto.

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8 Comentários

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8 Respostas para “O parto também é do homem

  1. Pingback: O parto também é do homem | Cosmopolitan Girl

  2. INGRID CARNEIRO

    Gostei muito do blog, cheio de informações importantes, e o melhor, a verdade sobre os mitos, rs. Sou mãe de primeira viagem, e é uma grande alegria saber tudo que preciso.
    Compartilhei conhecimento*
    :)

  3. Gizella Gigliotti

    Enviada do meu iPhone

    >

  4. Marina

    Olá, seu blog é muito bom, ja li todos os posts! Nao deixe de escrever e publicar essas informacoes e textos tão ricos!

  5. Ellis

    Clarissa, essas parteiras são de Pernambuco?!

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