Arquivo do mês: fevereiro 2013

Um bebê saudável não é o bastante

Por que tantas mulheres aceitam indicações esdrúxulas de cesárea, agendam cirurgias desnecessárias, abandonam o sonho de parir e passam a contribuir para a vergonhosa estatística de nascimentos cirúrgicos do nosso país?

Sei que as respostas são tão variáveis quanto as pessoas que se depararam com essa escolha. Cada mulher tem a sua história, seus medos e suas motivações. Mas, como antropóloga, acredito que a cultura pró-cesárea pesa muito forte nessa hora. Afinal, se todas estão fazendo, não pode ser tão ruim (algumas até dizem que “parto normal é anormal, normal é a cesárea”). Optar pela cesárea, no nosso Brasil atual, representa um alívio. Significa não precisar mais nadar contra a maré, peitar Deus e o mundo, ser chamada de louca ou taxada de masoquista (“pra quê sofrer??”). Nessa nossa cultura de valores invertidos (onde o que importa é o produto e as aparências, não as pessoas e seus desejos) e machistas (em que a vagina ou é “assassina” ou é “o parquinho do marido”), submeter-se à cesárea é “pensar no bebê” e “insistir” no parto normal é egoísta.

Pois eu não concordo. Não mesmo. Primeiro porque, apesar das crendices e dos mitos de cordões assassinos e vaginas deformadoras de crânio, a ciência diz categoricamente que a via vaginal é a melhor via de nascimento para um bebê salvo em raríssimos casos. E segundo porque eu não acredito que o parto se resume ao nascimento de um bebê – ou melhor, à extração desse produto bebê do corpo (traiçoeiro, descontrolável, perigoso) de sua mãe. O parto é da mulher, do bebê e da família e merece ser vivido de forma plena, crua e totalmente personalizada (e não por isso menos segura e prazerosa), por essa família. Quando o parto se torna “um mal necessário” para conseguir “um bebê saudável” – como ocorre na nossa cultura – todos saem perdendo.

Eis que essa semana li um texto publicado no site da organização Improving Birth, cuja missão é promover o cuidado baseado em evidências e a humanização do parto e nascimento, que caiu como uma luva, e quero agora compartilhá-lo com vocês. Escrito pela Cristen Pascucci, vice-presidente da organização Improving Birth e especialista em política e comunicação, o original pode ser encontrado no seguinte link e a tradução segue abaixo. Espero que gostem do texto tanto quanto eu.

Um bebê saudável não é tudo o que importa
por Cristen Pascucci

Ouvimos toda hora que “um bebê saudável é tudo o que importa”. Isso simplesmente não é verdade – especialmente quando, com mais frequência do que deveria, o que queremos dizer é que, tanto para mães quanto para seus bebês, basta “sobreviver ao parto”. Isso não chega nem perto de ser bom o bastante.

A verdade é que hoje, aqui e agora, o padrão não só pode como deve ser mais alto: um bebê saudável, uma mãe saudável e uma experiência positiva e respeitosa para todos, centrada na família.

Por que isso é tão importante? Porque o que nós esquecemos quando o foco é meramente em “sobreviver” ao parto é que, para mães, dar à luz não representa só um dia entre muitos dias de suas vidas. Para a grande maioria de nós, o parto não se resume à extração de um feto de nossos úteros da maneira mais eficiente possível.

O parto é uma experiência marcante, que fica gravada na memória para sempre. Pergunte à maioria das mães como foi o seu parto e você vai ver e ouvir a emoção vir à tona enquanto compartilham suas histórias – histórias estas que, boas ou ruins, nós revivemos intensamente e com frequência, queiramos ou não. E não esqueçamos que nossas experiências podem ter consequências importantes, duradouras e permanentes para a nossa saúde. O parto afeta o puerpério (quem nunca ouviu falar nos baby blues, aquela melancolia pós-parto?), os relacionamentos com nossos bebês e nossas famílias, e nossas atitudes perante nós mesmas e os partos que teremos no futuro.

Para os bebês, trata-se de sua primeira impressão do mundo e daqueles que serão seus principais cuidadores. Estamos comunicando aos nossos bebês desde o primeiro dia o que é o mundo, se é ameaçador ou seguro, e como nos relacionamos com esse mundo. Essa relação não poderia ser muito melhor se adentrássemos a maternidade fortalecidas pelo parto, confiantes e apoiadas?

É claro que no mundo real o parto não segue o padrão de um livro texto; complicações, mudanças de planos e desfechos indesejados acontecem. Mas mesmo nesses casos, uma mulher ainda pode ser respeitada e apoiada. Talvez não sejamos capazes de controlar a natureza, mas podemos sim controlar como tratamos as mulheres durante o trabalho de parto e nascimento. Até quando acontece o pior (especialmente quando acontece o pior!), não há nenhuma desculpa para um tratamento que não demonstre o máximo de respeito, deferência e compaixão pela parturiente enquanto ela faz suas escolhas.

Porque o que é mais curioso sobre a frase de “bebê saudável” é que, com tanta frequência, ela é empregada para justificar uma experiência decepcionante, difícil ou traumática. É dita por nossos médicos, nossos amigos e nossos parentes enquanto ainda não nos recuperamos do choque do que acabou de acontecer: enquanto tentamos entender uma experiência que fugiu, inesperadamente, ao nosso controle. E sim, também dizemos a frase para nós mesmas.

Então qual é a peça chave para um novo padrão? Somos nós! São as mulheres cujo dinheiro alimenta a indústria que nos provê desses serviços e cuidados. Embora muitas não tenham se tocado disso, somos nós que estamos com a faca e o queijo na mão. Imagine o que aconteceria se nós, milhões de mães e pais e seus amigos, de fato tomássemos para nós esse poder e fizéssemos uso dele.

Podemos começar pela educação, nos informando sobre o que seria um cuidado digno – respeitoso, baseado em evidências – e daí passando a buscar esse cuidado com consciência crítica quando conversamos com potenciais médicos. Podemos ficar atentos aos sinais de alerta – coisas como ouvir do médico que “não será permitido” ou que você “não pode” fazer tal coisa – e parar de ignorar nossos instintos! Na minha opinião, escutar uma frase como “um bebê saudável é a única coisa que importa” se encaixa nessa categoria. Essa frase me diz, “o que quer que aconteça na sala de parto/centro cirúrgico, você não terá o direito de reclamar. Se nós lhe entregarmos um bebê vivo, fizemos o nosso trabalho.”

Por fim, e talvez o que é mais importante, podemos exercer o nosso poder abandonando aqueles médicos que não nos oferecem bebês saudáveis, mães saudáveis e uma experiência positiva, respeitosa e centrada na família.

Para mães e bebês, sobreviver ao parto não é o bastante. É só o ponto de partida.

"Pelo menos você tem um bebê saudável", criado por Meghan Rodberg.

“Pelo menos você tem um bebê saudável”, criado por Meghan Rodberg.

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Por que vale tanto a pena ter uma doula?

Há um ano, a palavra doula era praticamente desconhecida. Hoje, graças à mídia tradicional, às redes sociais e ao famoso (e muito eficaz) “trabalho de formiguinha”, mais gente já ouviu falar nas doulas e em seu trabalho. E agora, no dia 31 de janeiro, o Ministério do Trabalho reconheceu o trabalho da doula ao incluí-lo oficialmente na Classificação Brasileira de Ocupações. Viva!

Mas para quem (ainda) não sabe, a doula é uma profissional capacitada a acompanhar a mulher durante a gestação, parto e puerpério, oferecendo apoio emocional e físico, bem como informações embasadas cujo intuito é capacitar a mulher a fazer suas próprias escolhas. Estudos comprovam os benefícios de estar acompanhada por uma doula durante o trabalho de parto e o parto propriamente dito. O folder abaixo faz um belo resumo dessas vantagens (para maiores informações, confira o site do Núcleo Carioca de Doulas).

Folder Núcleo Carioca de Doulas

É preciso deixar bem claro que a doula não é uma profissional de saúde (médico, parteira, enfermeira), muito menos substitui o pai ou acompanhante familiar na hora do parto. Se eu tivesse que descrever a doula em poucas palavras, eu diria que é uma pessoa que saca muito de gravidez, parto, amamentação, cuidados com o bebê e que só quer o seu bem. É ela que, por não ter nenhum outro interesse em jogo, vai ajudá-la a descobrir o que você espera e deseja do processo e que vai ficar do seu lado, zelando pelos seus interesses e pelo seu conforto.

  • Antes do parto, a doula escuta você e fornece informações baseadas em evidências.
  • Na hora P, ela oferece massagens, suporte emocional, carinho e fica sempre do seu lado.
  • No delicado período pós-parto, ela estará com você para facilitar a amamentação, tirar suas dúvidas, dar um carinho e, eventualmente, ajudar nas pequenas tarefas da casa.

(As possíveis atribuições de uma doula são muitas e cabe a você conversar com a sua para saber como ela pode atendê-la da melhor forma possível.)

Ao contrário do que você poderá ouvir de médicos, da mídia ou de leigos, a doula não é um modismo nem algo que surgiu na modernidade. Sem querer polemizar, mas eu diria que a verdadeira profissão mais antiga do mundo é a da doula – com a pequena diferença de que, antigamente, elas não eram pagas por isso! As doulas eram amigas, irmãs, mães, que vinham dar carinho e suporte para a mulher durante o momento intenso e transformador do parto. Confira abaixo o eclético slideshow que montei para provar o quão antigo e belo é esse valioso trabalho.

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A meu ver, a doula é, acima de tudo, uma boa e experiente amiga; alguém que entende você, que tem profundo conhecimento e compaixão pelo momento transformador pelo qual você está passando, e que saberá conduzi-la à sua própria verdade e a uma força que nem você sabia que tinha. Ela é uma cheerleader (torcendo por você), uma figura maternal (para quem você pode mostrar seus medos, suas fraquezas) e um porto seguro (que ficará do seu lado quando/se as coisas ficarem punk).

Para quem busca viver o período da gestação e parto de forma natural, humanizada e consciente – ou seja, em seus próprios termos, sem sucumbir a interesses alheios – a doula poderá ser uma peça valiosíssima. E, de quebra, é capaz de você ganhar uma amiga para toda a vida.

E se lhe perguntaram “pra quê ter uma doula?”, você pode responder: “Sei lá, pra quê ter uma amiga?”

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