Ainda não sou mãe e, portanto, nunca dei de mamar. Mas sou filha, e só mamei leite materno até os 45 dias de idade, o que na época (final dos anos 70) estava bem dentro da média para filhos de mulheres urbanas, da região sudeste, com superior completo e renda familiar acima da média (pelo menos de acordo com este estudo). O fato de a minha mãe ser médica não a impediu de ter desistido da amamentação tão precocemente. Graças aos esforços de ativistas da amamentação, a partir de meados dos anos 80, os índices de aleitamento no Brasil começaram a melhorar. Meus irmãos mais novos se beneficiaram desses esforços e também da maior experiência da minha mãe. Ambos mamaram bem mais do que eu, embora muito menos do que os “2 anos ou mais” sugeridos pelo Ministério da Saúde e a OMS.
Mas ainda temos um longo caminho a trilhar. De acordo com a II Pesquisa de Prevalência de Aleitamento Materno nas Capitais Brasileiras e Distrito Federal, em 2009 somente 39,4% dos bebês da região sudeste mamaram exclusivamente leite materno até os primeiros 6 meses de vida. A média só teve amamentação exclusiva por 55 dias. Ou seja, a maior parte dos bebês brasileiros mamaram exclusivamente menos de dois meses (lembrando que a orientação é de 6 meses)!
Esses números significam que mais crianças estão sofrendo de alergias, infecções, dermatites, asma, otite e obesidade. Menos bebês estão atingindo seu potencial cognitivo. Mais crianças terão problemas de desenvolvimento imunológico e neurológico, inclusive TDA e autismo. Mais crianças terão problemas fonoaudiológicos, como gagueira e desenvolvimento da fala.
Não amamentar está implicado em todos os problemas citados acima. E isso não deveria causar espanto, visto que o bebê humano se desenvolve melhor com leite humano; outros leites, por mais bem feitos que sejam, podem gerar desequilíbrios ou deficiências. O que, claro, não significa que o bebê que mama esteja imune a esses males, e sim que o bebê que não mama corre riscos maiores.
Mas para mim, esses efeitos não são mais graves do que acontece com a mulher. Esses índices baixíssimos também revelam que mais mulheres estão acreditando que seus corpos são falhos e imperfeitos ou porque seu leite é insuficiente ou porque não “sustenta” seu bebê esfomeado (não é verdade!). Mais mulheres estão (literalmente) comprando a ideia de que as indústrias farmacêuticas e alimentícias fabricam leites quase perfeitos, capazes de se aproximar do maravilhoso leite humano que nossos corpos produzem naturalmente (é mentira!). Mais mulheres estão abrindo mão de uma atividade rara – algo experimentado poucas vezes numa vida, e só por nós mulheres! – , que une a nutrição, o amor, a comunicação, a emoção e a espiritualidade. Mais mulheres passaram a ver seus seios exclusivamente como objetos para atrair um homem (vide o número crescente de cirurgias plásticas para aumentar as mamas), esquecendo que neles também reside o poder de nutrir um outro ser humano.
Isso tudo me causa profunda tristeza e, por isso, não posso deixar de me expressar e de levantar a bandeira da amamentação. Para mim, é pessoal. E é também político, porque amamentar não é uma meta fácil numa sociedade que lança centenas de armadilhas para dificultar a vida das nutrizes e dos lactentes.
Como ativista, eu luto para que as mulheres tenham acesso à informação e ao apoio necessários para que possam atingir as suas metas pessoais de amamentação. (Um parêntese: Eu torço para que essas metas reflitam as recomendações do MS e da OMS, mas JAMAIS defenderia medidas que tirassem da mulher a liberdade de escolher como e por quanto tempo ela quer nutrir o seu bebê)
Informação como…
- a importância de amamentar na primeira hora de vida e do contato pele a pele
- saber reconhecer os mitos mais frequentes que minam a autoconfiança da mulher e atrapalham a sua experiência de amamentar (por exemplo: a rotina rígida de 3 em 3 horas pode diminuir a produção de leite)
- entender as necessidades reais do bebê em cada fase de vida (por exemplo: sabia que o estômago de um recém-nascido no primeiro dia de vida é do tamanho de uma cereja e, no terceiro dia, de uma bolinha de ping pong?)
- o que fazer para prevenir e tratar os problemas mais comuns
Apoio como…
- licença maternidade de 6 meses
- espaços de trabalho em que mães e bebês possam permanecer juntos
- acesso a profissionais competentes, embasados, carinhosos
- grupos de mães (reais e virtuais) para trocar experiências e oferecer suporte emocional
- uma sociedade que enxerga o aleitamento como normal e belo
Enquanto ainda faltar informação e, principalmente, apoio pessoal, profissional e político para as mulheres que desejam amamentar, vestirei a minha camisa de Lactivista. Meu sonho é não precisar mais fazê-lo.