Algumas observações sobre a criação de filhos em diferentes culturas
Não foi por acaso que escolhi estudar antropologia cultural na faculdade. Antes de completar 18 anos, estudei em 3 continentes e, quatro anos mais tarde, havia morado em 5 países diferentes (onde morar = habitar por um período maior que 90 dias). Pode-se dizer que passei a vida toda observando, comparando e pensando sobre as diferenças – e as semelhanças – entre práticas culturais de vários países. Em três desses países também tive bastante contato com crianças: no Brasil, obviamente, em várias fases da vida; nos EUA, na minha adolescência, como babysitter nas horas vagas; e, aos 22 anos, na Dinamarca, onde passei 6 meses ganhando a vida como au pair, cuidando de um bebê de 1 ano.
É claro que na Dinamarca, nos Estados Unidos e no Brasil há diferentes tipos de pai e mãe, tomando decisões diversas e se identificando com várias “tribos”. Mas pode-se dizer que determinados comportamentos ou atitudes são quase universais sob o ponto de vista cultural e, nessas coisas, a população diverge pouco. Queria falar sobre algumas particularidades culturais que talvez causem “estranhamento” em alguém que não pertence ao país, mas que são importantíssimos para definir a “identidade cultural” dos cidadãos desses países. Quem sabe você não queira adotar algum hábito “estrangeiro” ou simplesmente venha a enxergar a sua própria cultura com novos olhos?
E.U.A: a pressão pelo destaque e pela excelência
Foi difícil escolher um único elemento da cultura americana para descrever. No início, pensei em falar sobre a prática universal de ler um livro infantil antes de dormir. É um hábito totalmente enraizado, praticado por pessoas de todas as classes sociais e “tribos” da maternidade desde a tenra infância, e algo que eu mesma pretendo adotar. No entanto, parei para pensar e vi que, na verdade, esse hábito faz parte de um quadro maior: a necessidade de desenvolver habilidades e talentos e se destacar na sociedade desde cedo. As crianças americanas de maneira geral sofrem uma pressão absurda. Seus pais não esperam que sejam meramente saudáveis ou “boazinhas”; elas precisam ser mais inteligentes, mais talentosas, mais especiais que as demais… De maneira geral, eles torcem para que os filhos sejam precoces em tudo e, para isso, estão dispostos a investir tempo e dinheiro. Desde os DVDs (picaretas) que prometem fazer seu bebê mais inteligente aos CDs de Mozart para bebês ainda em desenvolvimento no útero materno e à suplementação de Omega 3 e DHA na gravidez, há uma verdadeira obsessão por desenvolver o cérebro do filho e garantir-lhe uma vaga em Harvard ou Yale. Crianças pequenas, de três anos, fazem milhares de atividades para garantir um currículo completo e uma gama de talentos que precisam ser “aprimorados” o quanto antes: aulas de piano, de futebol (para meninas), de beisebol (para meninos), DVDs de uma segunda língua (agora a moda é mandarim), brinquedos “educativos”, “flash cards” para melhorar a memória dos pequenos e “play dates” (encontros marcados para brincar). Toda essa agenda é obsessivamente pensada para que a criança desenvolva habilidades importantes para que, futuramente, ela venha a ser um grande líder na área que escolher. Quando não é a excelência acadêmica o esperado, é o destaque em qualquer outra área (esporte, música, teatro). O fato é que muitas crianças americanas são encaradas como um projeto pessoal dos pais e, portanto, sofrem uma pressão enorme por serem bem-sucedidas ou “únicas” de alguma maneira. Não é à toa que lá tem tanta criança prodígio e tantos pais optando por educar os filhos em casa, seguindo um currículo feito totalmente sob-medida – para o bem e para o mal.
Dinamarca: a reverência pela natureza
Quando cheguei na casa do Sebastian, o bebê apaixonante de quem eu iria cuidar pelos próximos meses, nos arredores de Copenhague, era inverno. O termômetro registrava em torno de -5 graus. Mesmo assim, as instruções eram claras: todos os dias, às 11 da manhã, eu deveria embrulhar o pequeno num saco de dormir (feito de pena de ganso), colocá-lo no seu carrinho (aqueles à moda antiga) e levá-lo para um passeio até que ele adormecesse. Ele deveria ficar dormindo lá fora, com a babá eletrônica estrategicamente posicionada, até a hora de acordar. Imagino que vocês estejam reagindo da mesma forma que eu, dez anos atrás: Como assim colocar um bebê de 10 meses para dormir por 2 horas num frio absurdo? Ah, detalhe, se estivesse chovendo, era para cobrir o carrinho com a capa de chuva. Acontece que, na Dinamarca, a natureza é respeitada acima de tudo. E as crianças são expostas a ela desde o dia em que nascem. No inverno, elas dormem no frio, para receber o “ar fresco”. Na primavera, bebem água adoçada com a flor do sabugueiro do quintal. No verão, comem frutas vermelhas direto do pé e no outono saem para catar maçãs. Em todas as estações são estimuladas a ficarem próximo da natureza – na neve, na terra, na areia, no parque. Até mesmo as crianças de Copenhague, a capital. Vale a pena acrescentar mais duas curiosidades sobre os bebês na Dinamarca: eles mamam no peito costumeiramente até os 2 anos ou mais e a preferência nacional é por brinquedos de madeira ou pano. Quase não vi brinquedos de plástico por lá. De novo, a importância de respeitar e ficar próximo da natureza e de matérias primas naturais. Por fim, uma curiosidade: o Sebastian não tinha nenhuma peça de roupa na cor vermelha – lá vermelho é cor de menina.
Brasil: a importância de ser belo
Imagine a seguinte cena: seu filho está se comportando mal numa festa ou na casa da sua sogra. Qual a palavra que você usa para reprimi-lo? Feio. “Isso é muito feio, filho, para com isso!” Quando queremos incentivar, a palavra é bonito. Feio é a pior coisa do mundo. Quem não desejou com toda sua força que no filho nascesse bonito, que tivesse os olhos azuis do avô ou o cabelo “bom” (odeio esse termo!) do pai? Quanto não se gasta no Brasil com adornos totalmente inúteis cujo único propósito é embelezar e enfeitar a cria? Sapatinhos de croché, fitas, roupas engomadas, mantas que combinam com a roupa… Uma coisa é certa: já viajei bastante e somente no Brasil eu vi para vender faixas e fitas de cabelo para nenéns recém-nascidas. Também desconheço uma cultura em que seja tão comum (hegemônico, até) a prática de furar as orelhas de uma bebê com meses ou semanas de idade, uma atitude cuja única função é estética. Pois é. Infelizmente, nessa minha análise de práticas culturalmente peculiares (e que seriam consideradas estranhas ou desumanas para quem é de fora), a característica brasileira não poderia ser mais fútil. Aqui espera-se que os bebês (especialmente as meninas) sejam belos – verdadeiros bonequinhos, preciosos e emperequetados. O maior elogio para a mãe brasileira é ter seu filho equiparado a um bebê Johnson’s, a ponto de existir para vender shampoos que prometem clarear o cabelo do pequeno para que fique loiro. Com camomila, claro. Natural, óbvio. Mas comprar um produto cujo único propósito é tornar seu bebê mais belo é sinal de que, talvez, damos importância demais às aparências.
Enfim, nesse exercício, busquei descrever um elemento da cultura de criação de filhos que nos outros países causaria um estranhamento. A neurose por destaque e excelência dos EUA pode interpretada como cruel ou doentia nos outros países. Expor um bebê de 4 meses aos elementos da natureza seria considerado louco ou irresponsável no Brasil ou nos EUA. E, por fim, a nossa obsessão nacional pela estética, até dos bebês, não é vista como “natural” pelos estrangeiros.
Não estou dizendo que a criação de filhos no Brasil se resume a isso e, juro, queria ter trazido para cá uma avaliação mais positiva sobre as práticas brasileiras. Mas não consegui, sinceramente. Porque a diferença sobressalente que enxergo – pelos produtos, as propagandas e as conversas entre amigos – é a preocupação com a estética. Alguém pode me ajudar a ver algo mais positivo que seja característico da nossa cultura?
Ah quero morar na Dinamarca! rsrsrs Muito boa sua observação sobre o Brasil. Confesso que fiquei no maior dilema sobre furar a orelha da Laura, justamente por esse motivo (e por argumentos feministas). Mas, acabei concluindo que apesar de ser uma prática cultural que estimula a preocupação com a estética, pode ser encarada como uma coisa simples e boba, que poderia privar minha filha dos olhares tortos que eu tive que aguentar até os 8 anos de idade (porque não usava brincos nem roupas tipicamente de meninas). Outra característica do Brasil é iniciar as atividades extra-escola com o balé e o futebol (marcando os estereótipos de gênero desde de cedo), mas a natação para bebês está ganhando cada vez mais o lugar de “primeiro esporte” aqui no Rio – o que eu acho ótimo!
Carol, apesar do que escrevi aí, também acho que furaria a orelha da minha filha. Afinal, sou brasileira e adoro joias! (rsrs) Essa coisa de balé e futebol eu não explicitei porque é super comum nos EUA também – a diferença é que lá o futebol é para meninas! – mas adorei sua observação sobre a natação. De fato, acho que a natação para bebês é coisa nossa! :)
E também acho ótimo. Uma delícia!
Uma coisa que me incomoda muito no Brasil é a história do limpinho… uma obsessão pela limpeza que as mães mal brincam, ficam nessa de manter o bebê limpo e sempre bem vestido..ai aiai
Pingback: Série Inspiração: Pais contemporâneos, bebês atemporais, por Meredith Small | a mãe que quero ser
Poxa, bem que amaria criar minha Joana em contato tão íntimo com a natureza! Gosto demais! Agora, vc está corretíssima quanto as suas observações sobre os pais brasileiros, quer dizer, acho que as mães são muito piores quando o assunto é a beleza física doa filhotes. Já cansei de ouvir e até de dizer (assumo), que não quero filho feio. Só agora compreendo que essa necessidade é algo generalizado, exterior e principalmente coercitivo que já está mais que posto pela nossa sociedade. O pavor, na verdade, é o que outros pensarão e falarão sobre a ausência de beleza do seu filhote. Outra associação que faço neste momento é que até mesmo entre casais, a beleza do outro é tomada como troféu, prêmio a ser exibido.
Nossa, qta coisa interessante!
Acho q tudo é válido qdo aplicado com bom senso…
Por exemplo: querer q seu filho seja inteligente e se destaque por seus talentos é algo legal, e natural… o q não é, seria fazer disso uma regra, uma ordem, algo forçado e imposto… geraria muita pressão e frustração… mas dar aquele incentivo e aquela valorizada nos pequenos acho uma boa!
Qto a natureza, continuo destacando a importância do bom senso…
Tipo: q proveito ou prazer teria um bb d 10 meses em dormir, sem muito conforto, ao ar livre? Fala sério! O amor a natureza é muuuito legal, se aplicado e adequado à idade do seu filho… Levar o bb pra brincar num rio tranquilo num dia d calor, despertaria muito mais seu amor e respeito pela natureza ao meu ver…
E no Brasil idem! Vc querer q seu filho seja elogiado por ser “gatinho” não é pecado, desde q vc não esteja sacrificando o bem-estar da criança…
Dar uma emperequitada aqui ou acolá, sem q incomode o pequeno não chega a ser um mal…
Mas um ponto positivo d nossa cultura, a meu ver, é q não somos muito presos a rituais, tradições severas… acho q somos mais livres qto a crenças, hábitos e tudo mais… pq vejo muita “maluquice” do exterior, q é mantida por tempos e tempos sem q ninguém ouse mudar… coisas q já até perderam o sentido em função d vários fatores, mas continuam sendo praticadas por puro tradicionalismo… horrível isso…rs
Enfim, o q considero realmente maléfico pra qq criança, é a falta d bom senso dos pais, sejam eles d onde forem…